Para quem tem um hobby e/ou
uma paixão, não é raro se pegar sonhando com aquele objeto ou experiência de
desejo. Quem gosta de carros, já deve ter se imaginado acelerando uma Ferrari
LaFerrari em uma autobahn na Alemanha. Para quem gosta de viajar, um
jantar romântico em Paris em uma noite fresca de outono. Se você gosta de
relógios, um Patek Philipe. Se gosta de bolsas uma Birkin da Hermès ou outra
peça de uma luxuosa Maison.
No meu caso, que sou apaixonado por vinhos - não só meu na verdade, o de milhões de apreciadores dessa bebida mágica - o grande desejo é poder degustar, com certa frequência, algumas garrafas dos míticos vinhos premier grand crus de Bordeaux, como o Château Lafite, o Château Latour, Château Margaux e tantos outros grandes vinhos da região.
O problema é que essa “brincadeira” custa caro. Algumas
dessas garrafas que citei acima, dependendo da safra, chegam a custar dezenas –
as vezes centenas – de milhares de reais. Eu como mero mortal não posso me dar
esse luxo, e provavelmente você aí do outro lado da tela também não, ao menos
não sempre. Mas e se eu lhe contar que há uma alternativa? Uma forma de
degustar vinhos similares aos melhores vinhos do mundo, produzidos com as
mesmas uvas e pela mesma equipe, por uma fração do preço dos vinhos principais
da vinícola?
Há algum tempo nós da Casavino viemos ampliando nosso portfólio de vinhos bordaleses e recentemente recebemos um lote com second vins - segundos vinhos em português - de alguns ótimos petits châteaus de Bordeaux. Entretanto não se engane: o que eles têm de “segundos” no nome, têm de primeiros no prazer.
Nessa edição da nossa newsletter vou compartilhar com vocês a história dos second vins. Uma ótima alternativa para se provar o terroir da mais proeminente região vinícola do mundo com preços mais realistas. Ótimos para quem não quer vender o carro para tomar um bom vinho
O DILEMA DO CHEF
Já escrevi
anteriormente sobre os vinhos dessa renomada região francesa (O MOSAICO DOS SOLOS) e porque seus vinhos são tão caros,
mas basicamente esses vinhos são muito valiosos por conta de uma das leis mais
antigas do universo: A lei da oferta e da demanda. Somente as melhores uvas,
dos melhores anos e dos melhores vinhedos podem entrar na produção dos grandes
vinhos bordaleses. Tendo em vista uma produção muito limitada de garrafas e o
interesse de um enorme número de consumidores, os preços, inevitavelmente,
tendem a se elevar.
Imagine um restaurante que tenha conquistado algumas estrelas Michelin ou que subitamente seu chefe de cozinha passe a estrelar algum programa culinário na televisão e este vire uma celebridade. Rapidamente, a demanda por reservas nesse restaurante vai aumentar muito. Entretanto, esse estabelecimento fictício, só possui a capacidade para atender 30 clientes por noite. Esse interesse massivo, aliado à uma extensa fila de espera por reservas, vai gerar ainda mais demanda por esse restaurante dado à curiosidade e burburinho gerado pelo “hyppe” inicial.
Dada a tamanha procura nosso felizardo Chef imaginário consegue cobrar preços bem altos pela suas deliciosas criações gastronômicas, afinal os clientes estão dispostos a pagar mais para viver essa experiência única. O faturamento é alto e o reconhecimento galgado pelas distinções da crítica motivam o chef e sua equipe a continuarem a oferecer pratos de altíssima qualidade para mantarem seu status de ícone da gastronomia.
Um alto faturamento não se reflete, necessariamente, em um grande lucro e, movido pela ganância, o chefe resolve triplicar a capacidade de seu restaurante. Ao invés de 30 ele começa a atender 90 clientes por noite. As longas filas de espera por reservas começam a diminuir e naturalmente, ao atender tantos comensais a qualidade do atendimento e mesmo a da comida tendem a já não serem mais as mesmas. Reclamações começam a surgir. O interesse diminui e no ano seguinte na avaliação seguinte o restaurante perde a tão sonhada estrela Michelin.
Aquele valor exorbitante que o chefe conseguia cobrar pelo seu menu afugenta ainda mais os clientes. Não há outra solução se não baixar os valores do menu na tentativa de conseguir atrair o público e salvar o negócio. Com preços mais baixos e acessíveis à um público maior e de menor renda a sensação de exclusividade se esvai e a outra alcunha, quase mítica, de ícone da gastronomia deixa de existir. Ter aumentado a capacidade do restaurante, não foi uma decisão assertiva nesse nosso estudo de caso hipotético.
Os chefes ou donos de
restaurantes sabem de tudo disso e, na maioria dos casos, ao invés de
aumentarem a capacidade de seu restaurante premiado, eles criam outras marcas
de restaurante que emprestam a fama do primeiro, se rentabilizam do sucesso
inicial e não afetam a reputação do estabelecimento principal por possíveis
quedas na qualidade dos pratos e do serviço. Além disso, tudo que sai da
cozinha do restaurante principal precisa ser impecável. Mas, mesmo com
ingredientes de primeira, há dias em que um prato, por detalhes mínimos, não
atinge a excelência.
É bom, saboroso, mas não o suficiente para estar em um
restaurante tão exigente, porém é uma ótima opção para o menu de outra casa do
grupo. Para os clientes, visitar algum desses outros restaurantes do chef
famoso, é uma ótima forma de experimentar as principais características que relegaram
fama à gastronomia do restaurante premiado, pagando um valor mais acessível e
sem precisar esperar, as vezes por meses, por um assento na casa principal.
Bem, mas nosso assunto são os vinhos....
O IRMÃO DO FILHO PRÓDIGO
A fama da qualidade dos vinhos bordaleses já era conhecida desde os primeiros assentamentos romanos na região. Com o passar dos séculos, criou-se uma grande tradição exportadora na região e essa reputação de qualidade diferenciada foi espalhada para toda a Europa, chegando até o novo mundo.
Para suprir essa grande demanda, grandes latifúndios foram criados, e vinhedos que produziam uvas com qualidade ainda superior a já boa média da região eram diluídos no meio da produção de vinhos em larga escala. Porém após a Revolução Francesa, com a redistribuição de terras e sua consequente divisão em propriedades menores, alguns produtores começaram a se destacar entre os melhores vinhos da região.
Para catalogar esses vinhos que se destacavam dentre um grande número de opções em 1855, o imperador Napoleão III solicitou uma classificação oficial dos vinhos, com base em sua qualidade, para que os visitantes da exposição universal de Paris pudessem saber quais eram os melhores vinhos da região. Essa classificação foi expandida, mudanças ocorreram, mas basicamente ela é utilizada até hoje.
Como no exemplo utilizado anteriormente, sobre um restaurante que ganha estrelas Michelins, é fácil imaginar que os vinhos que foram classificados como os melhores passaram a ter uma procura muito grande. Com muita procura, o valor de mercado aumentou consideravelmente. Entretanto, como os donos de restaurantes estrelados, os viticultores dos melhores Châteaus de Bordeaux, não conseguem expandir sua produção de uma hora para a outra.
A terra é caríssima e raramente propriedades estão disponíveis para aquisição. Além disso um vinhedo, para produzir um bom vinho, deve ter seu rendimento reduzido. A vinha precisa gerar poucos cachos de uva para que nesses ela concentre todos os nutrientes, dando origem à frutos que se transformarão em grandes vinhos, mas todo viticultor além de agricultor é um empresário, sendo assim suas premissas incluem aumentar o faturamento bem como seu lucro.
Além disso, por vezes, em uma safra não tão boa, as uvas não atingem uma qualidade excepcional, mas ainda sim são uvas que geram um vinho bem acima da média. Sob a ótica do produtor, criar um segundo vinho oferece a possibilidade de aplicar critérios mais exigentes na seleção do que será destinado ao Grand Vin. Ao mesmo tempo, permite aproveitar o prestígio da marca e os canais de venda já consolidados para comercializar esse rótulo alternativo — o que se revela muito mais vantajoso financeiramente do que vender os lotes menos expressivos de forma anônima, como acontece em vendas a granel para negociantes.
os segundos
lugares que conquistam corações
Essa ideia de se criar um segundo vinho surgiu já no século XVIII, em Bordeaux. Há registros de que o Château Pichon Longueville Comtesse de Lalande apresentou seu segundo vinho da safra 1874 numa exposição em Moscou, embora só tenha lançado oficialmente a “La Réserve de la Comtesse” décadas depois, em 1973. Outros nomes também experimentaram a prática bem cedo: o Clos du Marquis, do Château Léoville-Las Cases, surgiu em 1904, e o Pavillon Rouge du Château Margaux apareceu em 1908, consolidando o conceito de um vinho alternativo, mas ainda digno do prestígio da propriedade.
A estratégia ganhou ainda mais força no século XX, especialmente em safras difíceis. O Château Mouton Rothschild, por exemplo, lançou o Carruades de Mouton na fraca safra de 1927 e, em 1930, criou o Mouton Cadet — um rótulo acessível que fez enorme sucesso comercial. Isso criou uma verdadeira escada para os consumidores explorarem Bordeaux com profundidade, conhecendo nuances do terroir e das decisões técnicas de cada Château por um preço mais acessível.
Além disso os Second Vins, com o tempo, passaram a envelhecer bem, ganhar notas altas da crítica especializada e, em alguns casos, roubar a cena em degustações às cegas ganhando inclusive de seus irmãos mais velhos. Dado esse grande sucesso comercial e de crítica dos seconds vins dos Châteaus mais famosos, diversas vinícolas em Bordeaux passaram a adotar a prática e os segundos vinhos deixaram de ser apenas uma alternativa e passaram a representar uma nova categoria de Bordeaux.
Talvez a maior beleza dos Second Vins esteja na sua humildade. Eles não se propõem a ser o melhor vinho do mundo — apenas a melhor forma de se aproximar dele. E isso, convenhamos, já é muita coisa. O importante é seguir explorando. Com a taça na mão e a mente aberta.
Um brinde amigos e até a próxima!
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