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DO SEIO DA RAINHA AO BANHO DE RÉVEILLON!

 

    O ano está acabando e 2024 já está logo ali. Para mim, a primeira imagem que me vem a cabeça quando penso na festa de virada de ano é aquela garrafa de espumante estourando. No passado, aqui na minha família a bebida escalada era uma “deliciosa” cidra que vinha na cesta de Natal. Lembro me bem de, ainda criança, sair recolhendo o restinho daquela iguaria que havia sobrado nos copos dos adultos. 


    Já maior de idade, quando comecei a viajar com os colegas e passar o final de ano na praia, o espumante estourando sempre esteve lá presente. Mas ao invés de ir para o copo, a primeira chacoalhada na garrafa e a bebida ia literalmente para roupa nova, limpinha do pessoal. A qualidade da marca escolhida também não importava muito. Valia mesmo era quantidade para dar conta de muitas horas de festa.


    Agora, mais velho e com o ímpeto da juventude amansado, prezo mais pela qualidade. Para começar um novo ciclo, gosto de brindar a chegada do ano com um delicioso espumante, se possível um champagne quando o orçamento permite, bem gelado, na companhia da minha família e servido em uma boa taça.

Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro


    Ao falarmos de champagnes ou espumantes é inevitável, também pensarmos na icônica taça Coupe, muito exibida em filmes sobre as décadas de 1920 e 1930, cuja lenda diz que foi moldada no seio da rainha ou da Flûte, aquela “compridinha”, ideal para um brinde e que fica muito bonita nas fotos. Mas você já parou para pensar qual a origem desses designs e porque os utilizamos?

Fonte: www.winefolly.com


    No último post desse maravilhoso ano de 2023 que, a menos para mim, voou, vou contar-lhes a história de como evoluímos o nosso ato de brindar o Ano Novo desde os copos de estanho até as lindas taças modernas criadas para aprimorar ainda mais a degustação de um bom espumante.


TROCANDO O ESTANHO PELO CRISTAL.


    Se tem uma coisa que o ser humano faz desde os tempos mais primórdios é degustar uma boa bebida alcóolica. Como exemplo, nas tumbas dos faraós, normalmente, encontravam jarros de cerveja para acompanhar o governante na outra vida. E para tomar seu “gorózinho” os humanos precisavam de copos. O vidro demorou para ser inventado e nos tempos antigos sua produção era bem cara. Sendo assim, o homem utilizou por muitos séculos copos de argila, cerâmica e posteriormente estanho e chumbo (bem tóxico por sinal) para degustar seus néctares.

Fonte: Jean-François de Troy, Le Déjeuner d'huîtres - Domínio Público.


    Aí, por volta do século XVII, surgiu a massificação da produção do vidro, e começaram as surgir os copos e taças de cristal. Mais ou menos nessa época surgiu na França um vinho espumoso que foi aprimorado na região de Champagne e que “fez a cabeça” da realeza. Já contei em um artigo anterior (deixo aqui o link) a história do champagne e dos espumantes e não vou me ater nessa seara no texto de hoje.


    O fato é que nos salões iluminados das corte europeias do século XVIII, o champanhe começou a fluir em quantidades cavalares. À época as taças utilizadas eram largas e rasas com um formato que lembra um pequeno seio feminino. Essas taças ficaram conhecidas como taças Coupe e foram bastante utilizadas até bem pouco tempo atrás. Quem já viu em um foto aquelas torres de taças de champagne, ou filmes em que cavalheiros e das damas aparecem bebendo nos loucos anos 20, como em o Grande Gatsby, era a taça Coupe que estava lá.

Fonte: Google Images.


    Acredita-se que a rainha Maria Antonieta, símbolo do requinte e excessos da monarquia francesa, inspirou a forma da taça, moldada à semelhança de seu seio, para que seus convidados pudessem brindar em sua homenagem. Outra lenda sugere que, na verdade, o seio usado como molde era o da Madame Pompadour, amante do rei Luis XV, que teria pedido ao cristaleiro local que moldasse uma taça com formato de seu seio para presentear o amante e provocar sua esposa.


    Apesar das fábulas sobre a dona do seio, que na verdade foram copiados de outros contos antigos como o mito que diz que o deus Apolo cunhava suas taças com os seios das mulheres mais bonitas, não há registros históricos sobre o criador desses design clássico. O mais provável é que ele evoluiu naturalmente do formato dos antigos cálices de argila e estanho utilizados a milhares de anos. No entanto, a beleza dessas taças contrastava com sua eficácia na preservação da efervescência do champagne.

Fonte:  Elisabeth Vigée-Le Brun, Maria Antonieta em trajes de corte 1779 - Domínio Público.


    As borbulhas em um espumante possuem uma função prática, não somente estética, que é ajudar na conservação da temperatura do mesmo e lhe adicionar mais uma camada tátil. Na taça Coupe as bolhas desaparecem rapidamente, e a experiência de se degustar um champanhe fica comprometida. Apesar de elegante, esse formato clássico padecia em entregar a vivacidade que a bebida efervescente deveria proporcionar. Ainda hoje em diversos drinks esse formato de taça é bastante utilizado. Porém para espumantes ele já não é mais funcional.


UM FORMATO CONCORRENTE.


Diferente da Coupe, a taça Flûte é um tipo de taça com cabo alto e bojo comprido e estreito, especialmente desenvolvida para o serviço de champagne e espumantes em geral. Sua principal finalidade é preservar o gás carbônico presente nestas bebidas o máximo de tempo possível, garantindo a persistência das borbulhas. Seu nome deriva do termo francês que significa "flauta", numa alusão ao formato alongado de ambos. 

Fonte:  Taça Riedel Superleggero Champagne Flute - www.riedel.com


    Hoje em dia é o modelo mais utilizado para brindar e degustar um bom espumante, pois além de preservar as borbulhas, sua haste longa evita que o calor das mãos esquente a bebida. Apesar da recente adoção, seu formato não se popularizou antes dos anos 1960, entretanto o seu design é quase tão antigo como os da famigeradas taça Coup.


    No início do consumo massificado dos champagnes, esse espumante era basicamente tomado como um shot de tequila. Os comensais viravam o copo de uma vez e depois os deixavam de ponta cabeça em um prato, para que os sedimentos escorressem. Vale ressaltar que antes da Madame Clicquot difundir o processo do Degorgemant, o qual é o método para se remover as borras das garrafas, estas eram servidas junto com o líquido. 

Fonte:  Copos Jacobitas - National Museums of Scotland


    Diante desse inconveniente, muitos vidraceiros e cristaleiros passaram a procurar um formato de copo melhor para se apreciar a bebida. Alguns historiadores afirmam que o modelo primitivo da taça Flûte vem do copo jacobita. Esse copo foi criado na Grã-Bretanha no século XVIII e era usado para brindar ao Príncipe Charles Edward Stuart (o "Jovem Pretendente"). Antes da derrota do monarca em 1746, os copos jacobitas eram geralmente gravados com a rosa inglesa, representando a Coroa, e um lema otimista dizendo “Redeat” que em latim significa: “Que ele retorne”.


    É bem plausível que a taça Flûte tenha evoluído do copo jacobita, porém historicamente foi só em 1831 que o termo “en flûte” apareceu pela primeira vez para designar as taças para champagne. Em seu catálogo, uma cristaleiria belga chamada Val Saint Lambert anunciava seus copos para champagne em dois modelos o Flûte e o Coupe. No descritivo do modelo Flûte ela era apresentada como uma taça estreita e alongada que canalizaria as bolhas para o centro, mantendo-as vivas e efervescentes por mais tempo.

Fonte: Criado para Casavino.


    Avançando para a segunda metade do século XX, as taças Flûte, passaram a dominar os momentos de celebração. A justificativa para a substituição foi a de que o formato aberto da Coupe dispersava rapidamente os aromas e o gás dos champagnes. Marcas icônicas de champanhe, como Veuve Clicquot e Mumm, adotaram a taça Flûte como parte integrante de sua experiência de consumo. 


    A estreiteza da taça não era apenas funcional, era também elegante, tornando-se um símbolo de modernidade e sofisticação sendo adotadas em bares, restaurantes, salões de festas e nos lares da população.


TRADIÇÕES REINVENTADAS.


    O mundo está em constante evolução. Sendo assim, no século XXI, designers contemporâneos e empresas de cristal renomadas continuam a explorar novas fronteiras na criação de taças para champanhe. Variações, como as taças tulipa, que combinam características das taças Flûte e Coupe, proporcionando uma experiência equilibrada passaram a ser a preferência dos apreciadores de vinhos. A influência de enólogos e sommeliers na escolha das taças para espumantes passou a priorizar a interseção entre estética e funcionalidade.

Fonte: Marketing da Moët & Chandon utilizando uma taça tulipa. www.moet.com


    No início dos anos 2000, Philippe Jamesse, sommelier-chefe do Les Crayères em Reims (no coração da região de Champagne) não estava satisfeito com a taça Flûte. Segundo ele o formato não evidenciava a complexidade de aromas dos champagnes e por isso contatou o fabricante de cristais Lehmann para desenvolverem juntos um copo maior no meio e estreito no topo. O resultado de muita pesquisa, tentativa e erro foi uma taça lançada em 2008. Batizada de Grand Champagne e taça faz parte da coleção Lehmann Jamesse e considera por muitos especialistas como o melhor modelo disponível atualmente para se degustar o Champagne.

Fonte: Lehmann Grand Champagne Collection Signature P. Jamesse - www.lehmann-sa.com


    Outra empresa que investiu muito no desenvolvimento de copos melhores para espumantes foi a austríaca Riedel. Segundo Georg Riedel, cuja família produz taças em cristal desde 1756: “Antigamente se priorizava sentir as borbulhas, depois passou-se a priorizar o “pérlage” em seu visual, razão do sucesso das “flutes” e hoje o interesse maior está nos aromas, o que tem levado o design das taças a ficar mais bojudo. Ainda de acordo com Riedel em um trecho extraído de sua conversa com o grande sommelier Didu Russo:” as taças são como alto-falantes e ampliam os aromas (dos vinhos), que são moléculas que enviamos ao cérebro.”

Riedel High Performance Champagne Glass por Florian Lechner para Riedel - www.riedel.com


    Em resumo, a história das taças para champanhe é uma narrativa de evolução e refinamento. Do esplendor da taça Coupe à eficácia da taça Flûte, cada capítulo revela uma busca incessante por aprimorar a experiência sensorial única que os espumantes nos oferecem. Atualmente, quando levantamos nossas taças para brindar a momentos especiais, honramos não apenas a tradição, mas a inovação que tornou cada borbulha de champanhe uma celebração única.


    Seja brindando em uma taça Flûte, uma tulipa, em um copo de plástico ou estourando o espumante com os amigos, desejo a você e toda sua família uma ótima passagem de ano e um 2024 maravilhoso com muitos vinhos e celebrações de grandes conquistas.

Abaixo deixo alguns links na Amazon para maravilhosos espumantes:



    Saúde!

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