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A CORRIDA DE GALOS DO VINHO.

    

    O final de mais um ano vai se aproximando e com ele começamos a pensar nas festas que marcam o final e início de um novo ciclo. Fui criado em uma família católica e por aqui o Natal sempre foi a festa mais celebrada do ano. A troca de presentes nunca foi por aqui o ponto alta da festa, mas sim aquele enorme banquete na noite do dia 25 de dezembro que rende “Soborôs Dontes” quase que até o próximo banquete no Réveillon, uma semana depois.


    Nas reuniões de minha família no Natal me recordo que sempre a televisão ficava ligada no “canal 5” onde era transmitida a missa do Galo. Ninguém prestava atenção, mas em todos os anos essa missa específica é parte integrante do cenário da celebração. Nunca havia parado para pensar qual a origem do nome e quando comecei pesquisar para escrever esse texto encontrei diversas explicações.


    Alguns estudiosos dizem que o nome é remonta à época dos primórdios do cristianismo onde os peregrinos se reuniam em Belém para rezar na hora do primeiro canto do galo. Outros apontam há muitos séculos aconteceu algo extraordinário de um galo que cantar à meia noite da véspera para o dia de Natal, assinalando a chegada de Cristo. Finalmente, há ainda a lenda de um galo ter assistido ao nascimento do Menino Jesus – além do burro e da vaca – tendo ficado o animal com a tarefa para sempre festejar e anunciar a data ao mundo.

Fonte: Google Images.


    A origem do nome pode ser incerta, mas que a Missa do Galo estará presente em mais um Natal aqui em casa isso é bastante certo. Outro integrante indispensável das festas de Natal aqui em casa, principalmente quando iniciei minha vida adulta e passei a trabalhar nessa indústria vital, é o vinho tinto. A família do meu pai tem origem nos imigrantes italianos e sempre tive uma queda pelos vinhos da Itália. 


    Talvez o vinho italiano mais conhecido aqui no Brasil, sejam os vinhos Chianti. Oriundo da região da Toscana, antigamente era exibido nas cantinas italianas em um garrafa revestida com palha. Esse tipo de garrafão caiu em desuso e atualmente, seu símbolo maior, relegado somente àqueles que cumprem rigorosamente as estritas regras de produção do consórcio local de produtores, é um galo negro.

Fonte: Castello Di Bossi


    No post dessa semana vou contar a história de como o Gallo Nero se tornou o símbolo oficial desse maravilhoso vinho italiano e, mais do que isso, representa o orgulho da população de Florença a cidade que foi o bastião da era do Renascimento.


UMA RIVALIDADE ANTIGA.

    Florença e Siena são duas cidades da lindíssima região da Toscana, na Itália, cuja já mencionei anteriormente nesse artigo (deixo aqui o link para o artigo). Também são as capitais de suas províncias homônimas. A primeira é, atualmente, a capital administrativa de toda a região, e é maior, mais rica e com uma densidade demográfica muito maior que do que a segunda. Mas nem sempre foi assim...

Fonte: Casa Chianti Classico


    Antes da ascensão do Império Romano, Siena já existia como uma cidade etrusca. Além dos registros históricos, há uma lenda dando conta que Siena foi fundada por Senio e Ascanio, dois sobrinhos de Rômulo, o fundador de Roma. Depois que esse matou o pai dos garotos os irmãos fugiram de Roma e fundaram Siena sobre as ruínas do antigo assentamento etrusco. Por conta disso os romanos, mesmo exercendo completo domínio da cidade, sempre cultivaram certo rivalíssimo para com Siena.


    Florença por sua vez foi fundada por romanos “legítimos”, como uma cidade para acomodar seus veteranos de guerra, mas apesar de gozar de mais prestígio no império, por conta de sua origem, ambas as cidades se desenvolveram de forma similar durante os séculos seguintes. Com a queda do império romano e a subsequente idade das trevas na Europa, a região caiu em grande ostracismo, como quase todo o continente, até o final da história medieval.

Fonte: Vista panorâmica de Florença - Wikibusters Own Work


    Já por volta do ano de 1200 AD uma série de mudanças sociais, políticas e econômicas surgiram no velho continente e a região da Toscana começou a florescer como um importante centro cultural europeu. Em 1240 foi fundada em Siena a Universidade de Siena, orginalmente chamada de Studium Senese, e que é uma das mais antigas universidades ainda em operação no mundo. Após a queda de Constantinopla, os antigos bizantinos, herdeiros do império romano, se instalaram na Itália e durante os séculos XIV e XV, houve um ressurgimento urbano. Cidades como Siena e Florença foram repovoadas por nobres, artistas, artesãos, trabalhadores de diversas áreas e pela nova classe social que surgira: a burguesia.

Fonte: Estatua de Leonardo da Vinci em Firenze - Wikibusters Own Work


    Também nesse período, os aspectos do ser humano foram valorizados e o homem passou a ter uma posição de destaque tornando-se o principal responsável pela condução da história. Com as descobertas científicas da época essa ideia foi reforçada e, dessa forma, se intensificou o conflito entre fé e razão. Nesse período a igreja católica deixou de ser o centro de tudo e o homem passou a ser valorizado. Foi nesse contexto que surgiu o movimento renascentista e nomes como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, Donatello, Botticelli e Piero della Francesca foram atraídos, principalmente à Florença.


CASH IS KING!

    No cenário político e econômico também houve grande mudanças. O feudalismo declinou. O poder dos reis se fortaleceu e o surgiram as Monarquias Nacionais. Esses aspectos possibilitaram liberdade econômica e comercial. Tanto Siena quando Florença despontaram como dois dos maiores centros financeiros da Europa. Além da universidade, Siena conta com o banco, em atividade, mais antigo do mundo: o Banca Monte dei Paschi di Siena fundada em 1472.

Fonte: Monte dei Paschi di Siena - Nikolai Karaneschev


    Sua antiga rival, Florença, não ficou para trás. Sua moeda o Fiorino D'oro da República de Florença, ou simplesmente florim, foi introduzido por volta do ano de 1250. A moeda de ouro foi cunhada em tão grande quantidade que se tornou a principal pecúnia para o comércio da Europa ocidental. Já no século XV o poder econômico da cidade era muito grande e bancos financiavam boa parte das monarquias europeias o que gerava grande protagonismo para a cidade e acentuava a rivalidade com Siena.

Fonte: Armadura italiana do século XV - Domínio Público.


    Rusgas e conflitos começaram a se exacerbar entres as duas potências e o principal cerne das disputas era o território que ficava entre as duas províncias, conhecido como a região das colinas de Chianti. Muitas batalhas foram travadas e muitos nobres guerreiros perderam sua vida, sendo assim uma solução para o conflito precisava ser alcançada e as divisas das cidades tinha que ser estabelecida de forma definitiva.


O GALO CAMPEÃO.

    A tradição oral conta que, para resolver essas disputas, foi decidido realizar uma corrida entre os melhores cavaleiros de cada província. Os limites das cidades seriam definidos pelo local onde os guerreiros se encontrassem ao amanhecer. Eles deveriam partir assim que o despertador da época tocasse: O galo! A “máquina” escolhida por Florença era um galo negro, enquanto Siena escolheu um galo branco.

Fonte: Ambito Turistico do Chianti


    O Gallo Nero tornou-se então um símbolo de orgulho para os florentinos e, ao longo do tempo, passou a ser associado aos vinhos produzidos na região montanhosa de Chianti, que situasse entre as duas províncias rivais, incluindo partes tanto de Florença quanto de Siena, figurando assim como uma indicações geográfica. Esse tipo de denominação de origem é usado desde os tempos antigos como por exemplo, os vinhos de Samaria, os vinhos de Carmelo, os vinhos de Jezrael e vinhos de Helbon todos citados na bíblia. 


    Na era moderna a primeira zona protegida de vinhedos foi introduzida, justamente, na área que abrigava os vinhos de Chianti, quando em, 1716 Cosimo III de' Medici, Grão Duque da Toscana, definiu a zona onde poderia ser cultivado o vinho chamado de Chianti. 


O CORAÇÃO DA REGIÃO.

    Com o passar dos séculos o vinho Chianti ganhou fama e a região original, já não dava mais conta de suprir a demanda, sendo assim precisou ser expandida. Os produtores que se situavam dentro dos limites originais decidiram então se unir a fim de proteger a tradição vinícola que desenvolveram durante tanto tempo.

Fonte: Consorzio Vino Chianti Classico


    Foi então que em 1924, trinta e três desses produtores fundaram uma espécie de associação e a chamaram de Consorzio Vino Chianti Classico e adotaram o Gallo Nero como o símbolo oficial dos vinhos produzidos sobre a batuta do consórcio. Em 1984 foi concebido ao Chianti Clássico o reconhecimento como uma Denominação de Origem Controlada e Garantida (D.O.C.G) o qual é a maior nível de distinção de qualidade dos vinhos italianos.


    A uva predominante nos vinhos Chianti Classico é a Sangiovese. Um vinho da D.O.C.G deve conter no mínimo 80% desta casta, porém o blend pode ser completado com outras uvas, como a Canaiolo, a Colorino ou até mesmo Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah. Até 2006 eram permitidas, também, uvas brancas na composição do vinho, porém após esse ano, na denominação Chianti Classico, somente as castas tintas são permitidas.

Fonte: Uva Sangiovese - Google Images


    Atualmente, o Galo Nero aparece em todos os contrarrótulos e gargalos de vinhos Chianti Classico, produzidos dentro dos limites da região original do Chianti e que atendem aos padrões de qualidade estabelecidos pelas autoridades de vinho italianas. Este símbolo garante aos consumidores que estão adquirindo um vinho autêntico de Chianti Classico. 

Fonte: Consorzio Vino Chianti Classico


    Isso não quer dizer necessariamente, que o vinho é muito bom, mas considerando que os produtores dessa região fazem vinhos a muito mais tempo do que o Brasil existe como nação a chance de você tomar um belíssimo vinho é muito grande!


Deixo abaixo alguns links na Amazon para vinhos dessa maravilhosa região:




Desejo muita saúde, paz e um Feliz Natal à você e toda sua família!

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