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QUAL A COR DO VINHO BRANCO DE NAPOLEÃO?

    


    Quem acompanha essa newsletter há algum tempo, com certeza, já notou que eu gosto muito de história. Particularmente de temas sobre guerras e os antigos impérios. Também gosto muito de cinema. Um dos meus filmes favoritos é o Gladiador, dirigido por Ridley Scott, o qual também dirigiu ou produziu uma dezena de outros filmes que estão entre os meus favoritos...Imagine só então minha felicidade ao ver o anúncio do trailer de sua mais nova produção: Napoleão, que irá estrear por aqui no final de novembro de 2023.


    Napoleão foi um dos maiores estrategistas militares de todos os tempos e se não fosse por um erro crasso, é bem provável que estaríamos falando francês no momento. Além de todos os aspectos de sua vida singular um detalhe sempre me chamou a atenção: o seu vinho favorito. O Vin de Constance.


    O nome poderia até sugerir um vinho francês, entretanto esse vinho é produzido na África do Sul. Além do general e futuro imperador francês, esse vinho encantou diversas outras personalidades da época, tais como: A Rainha Vitória, Frederico o Grande, Maria Antonieta, George Washigton e Thomas Jeferson. Já era no passado, mas até hoje é considerado por muitos críticos internacionais como um dos vinhos mais míticos do mundo, sendo um dos três únicos vinhos do hemisfério sul incluídos entre os “44 Maiores vinhos do Mundo” no guia Les Plus Grands Vins du Monde de David Cobbold.

Fonte: Klein Constantia


    Como se a qualidade do vinho por si só não bastasse, o local onde é produzido é descrito como um dos vinhedos mais bonitos do mundo. Uma das únicas três vinícolas que o produz, a Klein Constantia, está situada entre árvores antigas e uma vegetação de tirar o fôlego no sopé superior da cadeia de montanhas da Península do Cabo. Com vistas incríveis do Vale Constantia e a para False Bay na África do Sul. Uma visita ao local é mandatório para quem estiver passeando pelo país africano, mesmo aqueles que não são tomadores de vinho.

 Fonte: Klein Constantia


    No post dessa semana vamos explorar as origens e características desse vinho que encantou o Imperador e como ele saiu da distante África e foi parar na corte de diversas monarquias europeias!


VEREENIGDE OOST-INDISCHE COMPAGNIE


    Como já mencionei por aqui no passado, os holandeses tiveram papel importante no mundo dos vinhos no século XVII (deixo aqui o link para o artigo). No caso da África do Sul eles também foram fundamenteis para o desenvolvimento da cultura vitivinícola a qual está intrinsicamente ligada a história da colonização do país.

Praça da Bolsa de Valores em Amsterdam por Job Berckheyde. Domínio Público


    A Companhia das Índias Orientais foi uma das maiores empresas de todos os tempos se não a maior. Algumas fontes estimam que no seu ápice a VOC (sigla do seu nome em holandês) chegou a valer 7 trilhões de dólares em valores corrigidos. Como comparativo, a Apple, empresa mais valiosa da atualidade, vale cerca de 2,7 trilhões de dólares. 


    Simon van der Stel, nasceu no mar. Era filho de um oficial da VOC e seu pai, que havia sido o governador das ilhas Maurício, foi enviado pela companhia para governar uma colônia no Ceilão (atual Sri Lanka) onde foi assassinado pelo rei local. Sua mãe morreu pouco depois e o jovem Simon, então com 12 anos de idade, foi levado para Batávia, a capital da companhia, no que hoje conhecemos como Jakarta, Indonésia. Simon permaneceu lá até os 20 anos de idade, onde foi educado e posteriormente transferido de volta à Holanda.

Retrato de Simon Van Der Stel por Pieter van Anraedt. Domínio Público.


    Já no velho continente, casou-se com a filha de um rico comerciante, a qual era sobrinha de um dos fundadores da VOC. Através dessa união ganhou prestígio na companhia. Nesse período, em que ainda estava na Holanda, um dos cunhados de Simon o introduziu ao mundo da botânica e da vitivinicultura e juntos iniciaram o projeto de tentar produzir vinhos nos Países Baixos. Munido desse conhecimento incipiente na produção de vinhos, Van der Stel foi, em 1679, enviado para ser o primeiro governador da Colônia Holandesa do Cabo da Boa Esperança.


    Além de suas funções inerentes ao cargo de governador, Simon passou a procurar na colônia locais propícios para a produção de vinhos. Coletou amostras de solo e definiu que a área do vale, que tinha a face para o vale de False Bay, próxima ao que chamamos hoje de Cidade do Cabo, com seu solo de granito decomposto e levemente refrescado pela brisa do mar, seria o ideal para um vinhedo. Reivindicou a terra para si e fundou no local uma enorme fazenda dando-lhe o nome de Constantia.

Sede da fazenda restaurada Constantia. Fonte Kein Constantia


    Na fazenda, Van de Stel construiu uma linda casa cercada por jardins, pomares e um grande vinhedo, com diversas variedades de uvas Moscato. Mandou amostras de suas primeiras produções de vinhos para a cede da VOC na Batávia e ouviu de seus superiores que aqueles vinhos eram, ainda que em pequenas quantidades, os melhores que já tinha chegado por lá. 


    Simon Van der Stel morreu em 1712, com 72 anos, em sua bela fazenda Constantia, mas seu legado à vinicultura sul africana foi gigantesco. A cidade de Stellenbosch, considerada a capital vinícola da África do Sul foi batizada em sua homenagem (Van der Stel) e hoje o país é oitavo maior produtor de vinhos do mundo, com uma produção de 10,5 milhões de hectolitros e uma indústria que, aliada ao turismo resultante dela, contribui com quase 2% do PIB de seus país.


DE CONSTANTIA À VERSAILLES


    Após a morte de Van der Stel, sua grande fazenda foi leiloada e dividia em três partes:  Klein Constantia, Groot Constantia e Bergvliet. As duas primeiras eram as mais propícias para a produção de vinhos sendo que a Klein Constantia se especializou na produção do vinho doce que ficou conhecido como o Vin de Constance. 

Retrato de George Washington por Gilbert Stuart. Domínio Público


    Johannes Colijn, que se tornou o dono da Klein Constantia, passou comercializar seu vinho diretamente para a Holanda por volta do ano de 1730. Tendo em vista que à época o país era uma das grandes potências mundiais, o vinho foi se espalhando pela Europa e ganhou muita fama. Chegou em diversas cortes como a do imperador prussiano Frederico o Grande, a da rainha Vitória da Inglaterra e até aos fundadores dos Estados Unidos da América George Washington e Thomas Jefferson.


    Porém, o maior estoque do Vin de Constance na Europa estava na adega do Palácio de Versailles, na corte do rei Luís XVI e sua esposa Maria Antonieta. Registros de 1782 dão conta que em novembro daquele ano o palácio contava com 2634 garrafas de "Vin du cap de Constance" o qual era um dos vinhos mais caros do mundo naqueles tempos.


"Se não têm pão, que comam brioches!”

Napoleão cruzando os Alpes de Jacques-Louis David. Domínio Público


    Esse e os outros muitos abusos da nobreza francesa, levaram, em 1789, a revolução que culminou com o rei e a rainha perdendo, literalmente, a cabeça. Nesse cenário de total caos, terror, violência e muito derramamento de sangue, durante a Revolução Francesa um jovem general ascendeu ao poder. Se tornou imperador em 2 de dezembro de 1804 e além do trono francês “herdou” uma adega recheada de Vin de Constance...esse homem era Napoleão Bonaparte!


NAPO PARA OS ÍNTIMOS


    Não vamos aqui, nos atentar aos detalhes das conquistas, façanhas e derrotas de Napoleão. Iremos ver no filme e sua biografia é extremamente vasta, entretanto o imperador era conhecido por ter uma abordagem intensa e focada em sua vida, incluindo seus momentos de lazer, o que de fato é nossa temática. Mesmo sendo um líder incansável e dedicado, ele também reconhecia a importância do descanso e da descontração para manter o equilíbrio. 

Napoleão jantando com o Czar Alexandre I da Rússia e o Rei Frederico III da Prússia. Fonte: Biblioteca Nacional da França.


    Napoleão era um ávido leitor e apreciava estudar estratégias militares, história e filosofia. Ele costumava levar livros consigo durante suas campanhas militares e, quando não estava lendo, gostava de jogar xadrez com seus generais e conselheiros. Dizia-se que ele considerava o xadrez uma maneira de praticar e desenvolver habilidades estratégicas. O imperador também tinha grande interesse pela música e pela caça. 


    Quanto à gastronomia, uma de suas paixões era o café. Mesmo já sofrendo de dores estomacais, ainda quando general, era frequentador assíduo do café Le Procope em Paris. Ainda desconhecido e sem dinheiro, conta-se que ele deixava seu chapéu como garantia do “fiado” prometendo que voltaria no outro dia para pagar a conta e pegar seu chapéu de volta. Era nesse café, inclusive em funcionamento até hoje e com um chapéu de Napoleão exposto, onde Robespierre e os outros líderes da revolução, decidiam quem ia para a guilhotina.

Chapéu de Napoleão Bonaparte exposto no Café Le Procope em Paris. Fonte: Le Procope.


    Apesar do gosto sofisticado enquanto na corte, Napoleão tinha uma dieta bastante simples e prática, muitas vezes se contentando com refeições rápidas, baseadas em carnes desidratadas, durante suas campanhas militares. Quando se dava ao luxo de uma refeição mais nobre, degustava queijos de seu país, especialmente o Roquefort. Se diz que seu prato favorito era o "Frango Marengo", um prato de frango preparado com tomate, alho, cebola e vinho. A história conta que este prato foi criado por seu chef após a Batalha de Marengo. Ele também gostava muito de sopas e caldos, pois eram práticos para alimentar suas tropas. 


    Como é comum entre os franceses, Napoleão gostava de vinho e era descrito com uma verdadeiro connoisseur.  No início de sua carreira militar passou um tempo na região da Borgonha na França, mais precisamente em Côte d’Or, onde se produziam alguns dos vinhos mais apreciados da época. Até hoje na verdade. Apreciava particularmente os Chamberteins e esse vinho o acompanhou em todas suas batalhas. Da Espanha à Áustria. Do Egito à Rússia. 

Bonaparte diante da Esfinge por Jean-Léon Gérôme . Domínio Público.


    Fontes francesas, dão conta que na mítica Batalha de Waterloo, Napoleão não teria tomado seu Chambertein e por isso saiu derrotado. Já os ingleses, dizem que na realidade o imperador abusou demais do vinho e estando embriagado, caiu de seu cavalo durante a peleja. Nos dias quentes, Napoleão apreciava também um bom champagne, mas sempre “batizado” com partes iguais de água. Ele chamava esse “drink” de Limonada. Mas de seu vinho favorito era mesmo aquele espetacular vinho doce Sul-Africano. Durante seu exílio na Ilha de Santa Helena, Napoleão bebia uma garrafa de Vin de Constance por dia. 

Napoleão em Santa Helena, aquarela de Franz Josef Sandmann. Domínio Público


    As condições de vida durante o exílio de Napoleão em Santa Helena eram difíceis, e ele teve acesso limitado a alimentos frescos e variados. Essas condições, juntamente com outros fatores de saúde e ambientais, podem ter contribuído para seu estado de saúde geral e para o desenvolvimento do câncer no estômago que o matou em 5 de maio de 1821.Em seu leito de morte, historiadores dizem que ele não comia ou bebia nada que lhe ofereciam a não ser um copo do seu amado Vin de Constance.


O RETORNO DO REI


    Por volta de 1850 um doença devastadora atingiu os vinhedos da região o que gerou dificuldades financeiras aos produtores dos Vins de Constance. Esse fato somado a mudança no paladar dos consumidores europeus que mudou para a preferência por vinhos mais secos levou ambos os produtores de Constantia a falência em meados dos anos 1890 encerrando assim a era dourada dos vinhos doces sul africanos.

Fonte: Klein Constantia


    Este ostracismo permaneceu por quase cem anos, e foi somente em 1990, após inúmeras mudanças nos proprietários da vinícola que a Klein Constantia lançou uma versão moderna e comercial do famigerado Vin de Constance. Em 2003, a Groot Constantia também começou a produzir o vinho e o batizou como "Grand Constance. Além da Klein e da Groot Constantia, há uma pequena fazenda que fica colada nas duas, mas que não tem volume para venda comercial fora da propriedade.

Fonte: Google


    Em 2015, durante um jantar oferecido pela então rainha Elizabeth II ao presidente chinês Xi Jinping, no palácio de Buckingham, e que contou com diversos outros membros da nobreza britânica, incluindo a princesa Kate Middleton, o vinho de sobremesa ofertado aos convidados foi o Klein Constantia Vin de Constance marcando o retorno glorioso do vinho favorito do imperador as cortes Europeias.

Abaixo deixo alguns links para vinhos na Amazon que agradariam o Imperador:


Santé!


SUGESTÃO DA SEMANA

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