Recentemente, pesquisando sobre os impactos da pandemia nos negócios, me deparei com um conceito interessante: Síndrome de Gabriela. Criado a partir de um trecho da música de Dorival Caymmi que diz: “eu nasci assim, eu cresci assim, eu vivi assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim.”, o estudo dessa síndrome tenta associar tais comportamentos ao porquê de muitas pessoas resistirem a mudanças e terem dificuldades em se adaptarem à novas tecnologias.
No mundo dos negócios isso pode explicar a razão de muitos empresários não lograrem êxito no enfrentamento das dificuldades impostas pelo confinamento e a necessidade quase que imperativa dá adoção de novas ferramentas tecnológicas diante dessa nova realidade. Já no mundo dos vinhos me deparo constantemente com algumas pessoas com comportamento similar em relação à um componente em particular. A rolha de cortiça.
Já ouvi diversas vezes a frase: “Eu tenho um pé atrás com vinhos que não usam rolha de cortiça.” ou “Vinhos fechados com capsulas tiram o charme de abrir uma garrafa”. Essa semana vamos conversar sobre os tipos de vedação das garrafas de vinhos e qual o futuro das rolhas de cortiça.
AS ROLHAS DE CORTIÇA.
De uma forma bem resumida, o que “estraga” o vinho, transformando-o em vinagre é o seu contato com o oxigênio, onde este o oxida. Diante disto os produtores precisavam de um método para se evitar esse contato. É de se imaginar que antes do advento das garrafas de vidro e das rolhas, por volta do século XVI, que a longevidade de um vinho era muito curta e dessa forma seu transporte e comércio era muito restrito e a cortiça foi uma revolução.
A rolha de cortiça é produzida a partir da casca de uma arvore chamada sobreiro, que é um primo do carvalho. A extração da casca não a mata, mas demoram cerca de 9 anos para que a casca se recupere e possa ser extraída novamente. Após retirada, a casca é deixada para secar por mais alguns anos e durante o processo de secagem, sua seiva dá lugar a fibras porosas que se enchem de ar dando assim sua típica elasticidade que ao ser comprimida expande novamente e veda a garrafa.
O sobreiro cresce apenas em uma pequena faixa territorial que compreende o sudoeste da Europa (Península Ibérica) e alguns países do norte da África, sendo que Portugal, que é um país muito pequeno em território, produz cerca de 60% de todas as rolhas do mundo.
E é aí que começam os problemas...
Por cerca de 400 anos as rolhas de cortiça cumpriram muito bem o seu papel na conservação dos vinhos _quer dizer, não tão bem assim. Já já falaremos sobre isso_ mas acontece que somente em 2020 foram produzidos cerca de 35 bilhões de garrafas de vinhos. Com um ciclo de produção tão longo das rolhas, ficou, basicamente, impossível produzir rolhas de qualidade para esse montante gigantesco de vinho. Se o número não lhe entra na cabeça, vejam só o “perrengue” que a humanidade está enfrentando para conseguir algumas centenas de milhões de doses de vacina.
Alguma alternativa precisou ser buscada pelos produtores e novas formas de se vedar as garrafas foram encontradas, mas nem todos os consumidores se adaptaram muito bem as mudanças e esses novos adventos ainda fazem muitos tomadores de vinho torcerem o nariz para vinhos que não utilizam rolhas de cortiça nas garrafas.
Muitos produtores alegaram que a substituição da rolha de cortiça em seus vinhos tem relação com questões ambientais, mas isso se torna uma falácia uma vez que na grande maioria das vezes, seus substitutos agridem muito mais o meio ambiente do que a cortiça que é um recurso renovável. A grande verdade é que os produtores buscaram por alternativas causa do “money".
Uma rolha de cortiça de qualidade, atualmente devida a escassez, é muito cara. Em muitos casos é mais cara que o próprio vinho à ser engarrafado, inviabilizando assim seu uso comercial. Outro problema da rolha de cortiça é que um estudo mostrou que cerca de 80% dos vinhos que estragaram, foram perdidos por causa da rolha. Ou porque esta continha fissuras que permitiram uma entrada excessiva de oxigênio, oxidando o vinho dentro da garrafa, ou porque ela estava contaminada por TCA.
O ácido tricloroacético (TCA) é um fenol fúngico, componente químico esse que altera de forma negativa os aromas e sabores do vinho, surgindo por conta do combate à um fungo que ocorre na cortiça e em outras madeiras. É por isso que os Sommeliers cheiram as rolhas antes de servir o vinho em um restaurante. Eles estão procurando aromas desagradáveis, que lembram pano mofado, indicando que ele está bouchonné (bouchon é significa rolha em francês).
AS ALTERNATIVAS
Aglomerado
As rolhas aglomeradas de cortiça, surgiram com uma boa alternativa por serem mais baratas, uma vez que são fabricadas a partir do subproduto da produção de rolhas naturais. Normalmente o lote é homogêneo, evitando assim problemas quanto a rolhas danificadas e dessa forma garantem uma boa vedação a vinhos que serão consumidos em no máximo 24 meses. A ressalva quanto à esse tipo de rolha se dá, por conta das colas e resinas utilizadas para juntar o material, uma vez que muitos cientistas afirmam que esse material muitas vezes é poluente e em alguns caso não indicado para o contato com líquidos destinados ao consumo humano, como nosso querido vinho.
Rolhas Sintéticas
Um substituto que foi muito utilizado há alguns anos e caiu um pouco em desuso foram as rolhas sintéticas. Um polímero elastômero (plástico) desenvolvido para ter o formato de rolha que se acreditava que vedava muito bem a garrafa contra a entrada de oxigênio e evitava a contaminação por TCA. A expectativa se mostrou pior do que a realidade nesse caso. Estudos mostraram que esse tipo de vedação, com o passar do tempo, ressacava e permitida a entrada de oxigênio em excesso e apesar de serem recicláveis, não são biodegradáveis como a cortiça.
Rolha de Vidro (Vinolok)
Uma opção que vem sendo muito utilizada na Europa são as rolhas de vidro ou Vnolok. Desenvolvida pela Alcoa essa rolha possui um pequeno anel vedante feito de material inerte que garante a vedação total da garrafa. Visualmente é muito bonita e protege o vinho contra o TCA e o Oxigênio, mas com uma desvantagem. Seu preço. Como a escala de utilização e consequentemente sua produção não são muito grandes o preço ainda é bastante elevado.
Screwcap
A alternativa mais utilizada pelas vinícolas é o Screwcap. Este sistema é baseado em uma rosca de alumínio com um material vedante em seu interior. Eficientes e práticas, além de cumprirem seu papel são totalmente recicláveis e evitam ainda, como as rolhas sintéticas, a contaminação por TCA. Até alguns anos atrás eram predominantes nos vinhos australianos e neozelandeses, mas por serem mais baratas e seguras passaram a dominar todo o mercado de vinhos, principalmente por conseguirem manter o frescor de vinhos feitos para serem consumidos jovens.
Zork
Produzido com material reciclado, o Zork tenta replicar a eficiência e a praticidade do screwcap com “um que” da experiência da cortiça, seja por conta do barulho de “pop” que é emulado pelo dispositivo, mas principalmente com relação a capacidade de poder ser utilizado mais de uma vez. Criado por uma empresa Australiana essa rolha 2.0, visa além de tudo superar o preconceito que os vinhos fechados com screwcap ainda tem no mercado.
Quadro do artista Scott Gundersen feito com 60.000 rolhas.
A rolha de cortiça ainda é imbatível para um segmento de vinhos. Sua porosidade natural permite uma micro oxigenação dentro da garrafa o que em longos períodos de tempo é benéfico, principalmente para aqueles vinhos que tem como propósito, muitas vezes porque precisam, envelhecer por muitos anos para conseguirem exibir todas as suas características positivas ou mitigar as negativas, como taninos em excesso por exemplo.
A questão é que uma ínfima parcela dos vinhos produzidos hoje em dia tem como intenção serem consumidos após envelhecerem por muitos anos na garrafa. Quem aqui dentro os três leitores dessa newsletter que aguenta comprar uma garrafa de vinho e esperar 15 ou 20 anos para degusta-la. No geral compramos uma garrafa já pensando no prazer imediato que ela nos proporcionará e o mercado de vinhos como um todo pensa dessa forma.
Então qual o sentido de um produtor gastar uma bela quantia em uma rolha de extrema qualidade, encarecendo assim seu produto, sendo que ele foi feito para ser consumido ainda jovem? Mais do que isso, estudos recentes, demonstram que os millenials que estão entrando agora no mercado consumidor de vinho, não se importam com como o vinho é embalado ou servido.
Talvez a Síndrome de Gabriela, desse novo público consumidor seja quanto a substituição dos vinhos em lata por alguma capsula high tech de vinho em pó...Aguardemos os próximos capítulos...
Abaixo deixo alguns links na Amazon para vinhos vedados com substitutos à rolha de cortiça:
Saúde!
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