A fim de tentar conter a pandemia que avança à passos largos, os prefeitos da região do ABC decretaram a proibição do comércio de bebidas alcoólicas por alguns dias. Salvo alguns episódios isolados, na época do Brasil colonial, tivemos até uma guerra em 1660 conhecida como a Revolta da Cachaça, e proibições, já revogadas, em dias de eleições, não encontrei na história outros períodos em que as bebidas não puderam ser vendidas.
Diferente de nós, os Estados Unidos já experimentaram um longo período em que as bebidas alcoólicas foram banidas. Hoje vamos explorar como alguns vinícolas conseguiram sobreviver durante esse período e como o famoso “jeitinho” não é só coisa nossa.
A LEI SECA AMERICANA E O VINHO.
Os Estados Unidos da América têm a maior economia do mundo e mesmo não sendo o primeiro nome que nos vêm à cabeça quando falamos em vinhos, eles são o quarto maior produtor (atrás de França, Itália e Espanha) e os maiores consumidores mundiais por volume total. Além de vinho, consomem enormes volumes de cerveja, vodca, whisky, enfim.... Eles gostam de “molhar o bico”.
Entretanto, no final do século XIX o movimento contra a bebida, apoiado principalmente pela comunidade protestante, que são a maioria nos EUA, sob o mote de que a sociedade estava doente e que uma das causas eram as bebidas alcóolicas, tendo em vista problemas ligados ao alcoolismo, violência doméstica e corrupção policial, passou a pressionar os legisladores para o banimento do “goró” ou “booze” na gíria deles.
Aos poucos foram ganhando apoio, conquistaram vitórias em diversos estados, ganharam força com a primeira guerra mundial com o pretexto de que os grãos deviam ser utilizados para alimentar os soldados e a Europa destruída e não para produzirem álcool, até que em 1920 a 18ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos foi aprovada e a produção, a importação, o transporte e a comercialização de bebidas alcoólicas foram banidas.
Foi um golpe muito dolorido para a vibrante nova indústria vitivinícola americana estabelecida principalmente na Califórnia. Diferentemente dos vinhos, os produtores ilegais de Whiskey, Bourbon, Gin e Moonshine, proliferaram junto com os contrabandistas e a violenta máfia italiana que traficava as bebidas. O expoente mais famoso desse período foi Al Capone que inclusive gostava de um bom vinho.
Nessa mesma época, por conta do banimento do álcool o consumo de cannabis se popularizou e causou problemas similares, até passar a ser vendida como erva medicinal e atualmente vem sendo aos poucos legalizada mundo a fora gerando uma indústria de centenas de milhões de dólares. Já existe inclusive vinhos infundidos de maconha, mas esse tema fica para outra newsletter.
O vinho não teve o mesmo apelo junto aos traficantes e sua produção foi quase totalmente extinta, mas alguns produtores conseguiram enxergar em uma brecha legal uma fora de continuar existindo. A produção e o transporte eram ilegais, mas seu consumo não. Os mais abastados, inclusive, fizeram enormes estoques de vinhos e outras bebidas antes da entrada em vigor da lei e continuaram tomando seu vinhozinho tranquilamente por muitos anos.
Com uma indústria farmacêutica ainda incipiente o álcool era prescrito por médicos para o tratamento de muitas doenças e alguns produtores conseguira a autorização para a produção com fins medicinais. Um produtor de Nova Jersey, ainda em operação nos dias de hoje, chamado Renault Wine, produzia um tônico farmacêutico a base de vinhos que avisava em seus rótulos para que não gelassem o tônico, pois caso contrário ele se tornaria vinho e vinho era ilegal.
É de se imaginar que o número de receitas aumentou muito, sendo que algumas grandes cadeias de farmácias dos EUA cresceram exponencialmente, justamente nesse período.
Outros produtores “criativos”, vendiam um suco de uva muito concentrado em açucares. O rótulo continha claras instruções do que não se fazer para que o suco virasse vinho... Era só “não” adicionar leveduras (fermento) ao suco e “não” esperar alguns dias, para que a mágica da fermentação ocorresse e voilà, “não” teriam vinho para o jantar. Particularmente, a região da Califórnia se beneficiou muito com essa estratégia, mandando suco de uva para todo o país, uma vez que suas uvas, por estarem em uma região mais quente, conseguiam concentrar altos níveis de açúcar residual.
Sede da vinícola Beringer, na Califórnia. Uma das poucas que conseguiu o direito de vender vinhos com propósitos religiosos.
Apesar de todo o esforço dos produtores de vinhos em salvarem seus negócios, foi um player em particular que ajudou a salvar a indústria: A toda poderosa Igreja Católica. Apesar de não serem a maioria, os católicos tinham grande representatividade na época da proibição e a igreja precisava de vinho para a celebração da eucaristia. No rito dos católicos o vinho não era só um fermentado alcóolico, mas a representação do sangue de Cristo e produzir vinho para igreja se tornou permitido em 1922, apesar de não ser fácil.
Primeiro era preciso conquistar a outorga governamental para produzir um vinho canônico ou “sacramental” como é denominado por lá, e depois era necessário galgar a aprovação eclesiástica quanto a qualidade do vinho e essa dava o ok ao governo quanto ao produtor se tornar um fornecedor de vinhos que seriam utilizados nas missas. De qualquer forma, esse business cresceu e não por coincidência a produção de uvas na comunidade católica na Califórnia aumentou em 700% no período. O professor da faculdade Moreno Valley, Gregory Elder escreveu: "...Ter um amigo no clero provavelmente levaria à pelo menos, melhores festas."
Fora da Califórnia vinícola chamada Brotherhood Winery da cidade de Washingtonville, Nova Iorque, clama ser a vinícola mais antiga dos Estados Unidos ainda em atividade. Sua adega subterrânea, utilizada até hoje, foi construída em 1839 por um clérigo francês e conseguiu atravessar o período de proibição fabricando vinhos sacramentais. O curioso na história é que registros apontam que a população de clérigos na vizinhança de vinícola cresceu enormemente e durante esse tempo.
Abaixo deixo alguns links na Amazon para vinhos californianos:
Cheers!
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