Recentemente, me perguntaram se uma garrafa de vinho com o a concavidade do fundo mais pronunciada indicaria uma qualidade superior do líquido lá dentro. Infelizmente, a resposta é menos romântica do que o interlocutor esperava. Além de não dizer nada sobre o vinho em si, no geral o formato e o fundo não têm grandes propriedades além de estética.
Vá dizer isso para aquele garçom “antigão” que gosta de servir o vinho fazendo aquele mise-en-scène com o polegar disposto no fundo da garrafa, o que não é lá muitoooo educado.
Não se sabe ao certo o porquê da concavidade pronunciada na garrafa, alguns dizem que esse formato surgiu por conta do processo de produção delas, onde os sopradores de vidro apoiavam a garrafa em uma haste metálica convexa, mas a teoria mais aceita é que tal formato confere ao vidro maior resistência para suportar o impacto da inserção da rolha, o qual antigamente era um processo que exigia muito da garrafa. Atualmente, essa etapa do envase é muito mais mecânica e automatizada, não exigindo tanta resistência do vidro, mas o formato acabou “ficando”.
Mesmo que eu não gostasse de beber, o que não é o caso, eu ainda gostaria muito de trabalhar com bebidas, pois acho as garrafas e os rótulos muito bonitos. Mesmo sabendo que não se deve julgar o livro pela capa, um design diferente sempre me chama a atenção e quando estou em uma loja escolhendo com qual bebida irei me deleitar é inevitável parar e olhar aquela garrafa.
Essa semana trago para vocês algumas garrafas diferentes e as histórias por trás de seus formatos e rótulos.
A CHAMPAGNE CRISTAL
Até meados do século XVIII, praticamente todas as garrafas de vinhos eram escuras, pois eram criadas a partir de um vidro comum fabricado com areia, potássio, cálcio e bário. As garrafas utilizadas pelo proeminente produtor de champagnes, Louis Roederer não eram diferentes. Além de escuras, tinham o famoso fundo com uma grande concavidade, para teoricamente dar mais resistência à garrafa para suportar a pressão do espumante.
Já ouviram a expressão “foco total no cliente”? Para os menos moderninhos, “o cliente tem sempre razão”?
Acontece que o maior cliente da Maison Louis Roederer era a corte russa, na figura de seu líder o czar Alexandre II, que em período de muita instabilidade política na Rússia (na Europa em geral) andava meio paranoico e temia ser assinado. Diante disso pediu para que seu fornecedor providenciasse uma garrafa que fosse transparente para que ele pudesse ver através dela e que tivesse o fundo achatado, para que nenhum explosivo fosse colocado ali.
Foi o que o esperto Louis fez ao encomendar uma garrafa cujo vidro contivesse oxido de chumbo em sua composição, tal vidro também é conhecido como cristal. Essa nova garrafa transparente impressionou o czar e todos seus convidados transformando, anos mais tarde, essa linha de champagnes no carro chefe da Maison. Mais de um século depois no final dos anos de 1990 a Champgne Cristal era a preferida de muitos artistas do hip hop americano e figurou em diversos clips musicais, alavancando ainda mais a sua fama.
Quanto ao czar, infelizmente a garrafa transparente não adiantou muito. Ele foi realmente assassinado anos mais tarde, com uma bomba, mas ao menos não estava em sua garrafa de champagne.
ACE OF SPADES
O Champagne ultra premium produzido pela família Cattier (apesar de ser uma “joia”, não confundir com a joalheria Cartier) é por si só um espetacular espumante que ganhou diversas degustações às cegas mundo a fora, chegando a ser eleito o melhor Champagne do mundo em uma competição contra outras 1000 marcas. Entretanto, não foi o líquido que lhe conferiu sua fama, mas sim suas garrafas.
Seu nome oficial é Armand de Brignac Brut Gold, mas ficou popularmente conhecida como “Ace of Spades” por conta de seu rótulo com um Às de Espadas feito a mão e cravado em uma garrafa com revestimento metálico na cor dourada, também polido manualmente. Por conta desse processo artesanal nenhuma garrafa é igual a outra.
Foi criada em 2006 e nos anos posteriores foram adicionadas outras variedades a linha. Um Champagne Rosé, um Blanc de Blancs, um Demi-Sec e um Blanc de Noir, cada qual com suas lindas garrafas com revestimentos metálicos de cores diferentes. A linha Armand de Brignac, conta também com a maior variedade de formatos de garrafas com volumes diferentes, sendo a versão Midas de 30l a mais rara, sendo produzida somente por encomenda e custando mais de 100.000,00 dólares.
Mais uma vez o Hip Hop, gerou enorme demanda por esse champagne, após uma aparição em um clip do cantor Jay-Z em 2008 que gostou tanto da marca que a comprou através de um fundo em novembro de 2014.
A BELEZA NA SIMPLICIDADE
A garrafa em si é bem simples. O vinho, que já figurou em uma de minhas sugestões, também não é nada especial, entretanto em um mercado dominado por rótulos brancos sem vida, o desenho da etiqueta do vinho Porta 6 para mim é uma das mais bonitas dos tempos recentes. Foi criado pelo artista plástico Hauke Vagt, um alemão que escolheu Portugal para morar e retrata uma cena fiel da antiga Lisboa.
Outro vinho do mesmo fabricante também tem seu rótulo inspirado na obra de Vagt e chama Júlia Florista. Igualmente belo, esse rótulo retrata um fado, interpretado por Júlia de Oliveira, que era vendedora de flores durante o dia e cantora a noite. Uma verdadeira alma boêmia que era considerada a mais bela voz do fado na antiga Lisboa.
Falando em obras de arte...
O premiadíssimo artista plástico Juarez Machado, natural de Santa Catarina, morador de Paris há mais de 30 anos e apaixonado por vinhos, criou em 2014 uma série com 7 quadros com temas que abordavam os cinco sentidos (audição, olfato, tato, paladar e visão) além do Universo Interior e Mundo Exterior. Os 7 quadros viraram rótulos para o vinho homônimo produzido pela Vila Francioni na Serra Catarinense. Além dos 7 rótulos, Juarez criou 7 poemas que estampam os contrarrótulos das garrafas que, por terem sido produzidas em quantidade limitada, se tornaram verdadeiras peças de coleção.
O PATINHO FEIO.
Aqui temos o contrário. Seu rótulo não faz jus ao delicioso vinho que o representa. Sua garrafa também não chama tanta atenção de longe, mas ao nos aproximarmos da prateleira de vinhos italianos, naquela loja especializada que adoramos visitar um vinho em particular começa a capturar nossos olhares.
Nesse caso, não necessariamente pela beleza. A garrafa é de um preto fosco, com um formato esquisito que quando deitada male má se equilibra no móvel. Mas todos temos um propósito nessa vida e o patinho feio das garrafas tem o seu. Com um formato ondulado em um dos lados e uma leve concavidade do outro a garrafa se encaixa perfeitamente na mão de quem a segura e segundo uma “lenda urbana” esse formato, patenteado, foi criado para um dos maiores fãs do vinho o Papa João XXIII que era canhoto.
Só para constar, quem vos escreve é um canhoto que tem dificuldades para qualquer trabalho manual, aprova o formato.
Outra teoria, compartilhada pela herdeira da família Cinzia Travaglini é que a garrafa foi criada para funcionar como um decanter, uma vez que suas ondulações e gargalo em formato de chaminé ajudariam a reter os sedimentos surgidos durante longos períodos de envelhecimento. Há quem diga também que o formato surgiu após um incêndio na fábrica local de garrafas que deformou o vidro. Como eles precisavam engarrafar o vinho, foi feito do jeito que estava e assim ficou.
O patinho feio na verdade é um cisne. O vinho é f*****ido. Um excepcional exemplar feito com a uva Nebbiolo, que custa metade do valor de seus primos mais famosos o Barolo e que, inclusive, já figurou dentre os melhores vinhos do mundo.
O DESIGN BRASILEIRO.
De poltronas à prédios, o Brasil galgou um lugar destaque no mundo do design. Com nomes como Sérgio Rodrigues, Irmãos Campana até o grande Niemeyer mostramos ao mundo que sabemos fazer objetos bonitos. Daiane Argenta era grande entusiasta do design e se formou na área, mas para a sorte de nossa audiência, sua família era proprietária de uma vinícola.
A vinícola Luiz Argenta, reconhecida como uma das mais belas do mundo pela revista Adega, localizada em Flores da Cunha – RS, surgiu 1999 quando os irmãos Deunir e Itacir Neco, adquirem a propriedade e passam a se dedicar a produção de uvas. Em homenagem ao pai, surge em 2004 a Luiz Argenta Vinhos Finos, com a missão de produzir vinhos finos e espumantes de grande qualidade. Foi nesse contesto, de ser uma das melhores vinícolas do Brasil que a jovem Daiane assume o cargo de gerente de marketing no início da década passada.
O resultado? Uma lindíssima coleção de garrafas que foi sendo aprimorada ao longo dos anos e nos brinda com belíssimos exemplares ganhadores de diversos prêmios.
A bem verdade que os designs das garrafas não são da Daiane ou da Luiz Argenta. A maioria são adquiridos de empresas europeias com exclusividade para o Brasil, uma vez que as produzir em pequena escala por aqui é quase impossível, mas quem se importa não é mesmo? O que os olhos vêm o coração não sente ou quase isso......
Abaixo deixo alguns links na Amazon para algumas dessas e outras garrafas com formatos curiosos:
Saúde amigos!
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