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A ADEGA DO MUNDO QUEBROU!



    As imagens dos vinhedos de Chablis na França, forrados com tochas é impactante. De certo modo, para os olhos desavisados, é até bonita, mas esconde um grande drama para toda uma comunidade.


    Uma poderosa onda de frio, que provocou geadas e derrubou as temperaturas para -5°C, chegou tardiamente à França, em uma época em que as vinhas estavam florescendo. Em uma tentativa quase que desesperada de salvarem seus vinhedos, os produtores acenderam tochas durante a noite para evitar que os brotos das uvas congelassem e queimaram fardos de feno pela manhã com esperança de que a cortina de fumaça impedisse que o sol queimasse as folhas congeladas. Apesar de todo o esforço grande parte da safra de 2021 foi perdida.



    Infelizmente isso não é um caso isolado. Que o clima do mundo está mudando, acho que ninguém mais dúvida _se é culpa do ser humano ou não, aí é um debate mais amplo_ e a vitivinicultura é um dos primeiros setores a ser realmente ameaçados de extinção por essas mudanças. Como esse processo é relativamente demorado, essa semana vamos conversar sobre o que está acontecendo nas mais famosas regiões produtoras de vinho do mundo e como os produtores estão tentando se adaptar.


TERMOSTATO DESREGULADO.


    Talvez a pergunta mais recorrente que recebo quando falo que trabalho com vinhos (sem contar aquela: Você bebe todo dia, né?) é qual o melhor vinho do mundo? Minha resposta é sempre a mesma: O melhor é uma questão muito pessoal, mas os mais caros são os Bordeauxs da França.



    Esses vinhos atingiram esse status, baseados principalmente no equilíbrio. Não são muito encorpados, não são muito alcoólicos, tem uma grande complexidade de aromas, tem excelente acidez, taninos de qualidade e são muito longevos. Essa fama foi conquistada ao longo de séculos. Seu estilo e uvas mais famosas (Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Carmenere e Petit Verdot) foram exportadas para todo o mundo.


    Uma linda história de sucesso, mas com seus capítulos mais recentes, recheados de drama. O problema é que os produtores não estão mais conseguindo produzir vinhos em Bordeaux no estilo que os consagrou. E o culpado disso é aquele que é o um dos maiores vilões de nossa existência (ao menos era, agora tem um “bichinho” que está dando muito trabalho também) o Aquecimento Global.


    Com as temperaturas mais altas e o desbalanceamento das estações, as uvas clássicas da região estão sofrendo para conseguirem manterem seus ciclos naturais e entregarem aos vinhos as características que outrora os alçaram à lista dos mais desejados do mundo. Com uma maturação excessiva e sofrendo de stress hídrico os vinhos de Bordeaux estão se tornando muito alcóolicos e com aromas e sabores excessivamente adocicados e taninos muito desequilibrados. Por fim as chuvas desreguladas fazem com que o vinho perca acidez, reduzindo o seu fresco e longevidades.



    Como uma forma de contornar esses problemas, novas uvas foram autorizadas a serem utilizadas na produção dos vinhos da região, entre elas três variedades de origem portuguesa (Touriga Nacional a mais famosa) que se adaptaram muito bem a região e podem entregar os atributos desejados. Além das novas castas, outras inovações agrícolas veem sendo implementadas todas com o intuito de mitigar os efeitos do clima nessa indústria multibilionária.


    Algumas mais simples como diminuir a poda das folhas fazendo cm que dessa forma as uvas fiquem menos expostas ao sol e outras bem mais inusitadas como o emprego de helicópteros que ao sobrevoarem os vinhedos em baixas altitudes, por longos períodos ajudam na secagem deles para que esses congelem por conta das geadas fora de época.


    Apesar de Bordeaux, bem como toda a França, ser o maior expoente dos efeitos das mudanças climáticas sobre a indústria vitivinícola, diversas outras regiões do mundo veem sofrendo com o desregulamento do clima em nosso planeta. Na Borgonha, conhecida por seus vinhos mais leves, delicados e igualmente muito valorizados, os produtores já enfrentam muitas dificuldades para cultivar a mítica Pinot Noir, sendo que em alguns casos a produção fica inviável comercialmente.


    A Alemanha, famosa por seus vinhos brancos de grande frescor, vem experimentando mudanças drásticas nos ciclos de crescimento das uvas. Espanha e Itália já iniciaram a busca por novas regiões e variedades para conseguirem continuar produzindo com qualidade. Na América do Sul, o Cabernet Sauvignon do Chile e Argentina está sendo plantado em altitudes cada vez mais elevada para evitar a maturação precoce.



    Com mais de 80% de sua produção vinícola baseada na Califórnia, os Estados Unidos, maior mercado consumidor de vinhos do mundo, muito brevemente precisará fazer uma grande mudança em sua indústria. Ano após ano vemos os incêndios florestais destruindo a região e ao contrário de muitos países em que os problemas relacionados ao aquecimento global ainda são marginais ou com prognósticos negativos para o futuro, a escassez de água no Estado da Califórnia já é um problema real. Estudos recentes apontam que nas próximas duas décadas cerca de 50% da área agriculturável no Napa Valley será perdida.


QUEM SE BENEFICIA?


    Mas como enquanto uns choram outros vendem lenços, alguns poucos lugares ao invés de perecerem se favorecem das mudanças climáticas, no que se diz respeito a produção de vinhos. A Inglaterra é um deles.


    Por muitos séculos os ingleses foram e ainda são um dos maiores consumidores de vinhos do mundo, entretanto por conta das características climáticas da ilha, com muita chuva, frio e pouca exposição solar os súditos da rainha não conseguiam produzir vinhos com um mínimo de qualidade para figurar dentre os grandes produtores mundiais. Eis que o mundo começa a esquentar, as chuvas têm uma ligeira diminuição, mais sol e nos últimos anos alguns espumantes produzidos na terra da rainha conquistam diversos prêmios internacionais mundo a fora, algo impensável há alguns anos.



    Por aqui na república tropical, algo similar vem acontecendo. O clima frio e húmido é muito propício para desenvolver a acidez, que por sua vez confere frescor aos vinhos. Essa é principal característica buscada em um espumante e não à toa os rótulos produzidos na Serra Gaúcha lograram lugar de destaque no nosso jovem, porém crescente mercado de vinhos. Se para esse tipo de vinho o clima frio é muito interessante, para os tintos a pouca exposição a e o frio excessivo mais atrapalha do que ajuda. Muito por conta disso, diversos consumidores, inclusive o que lhes escreve, ainda torciam o nariz para os vinhos tintos produzidos na região.


    Aí o aquecimento global ataca novamente. Lembremos do final da década passada, eventos climáticos extremos com grande calor no Rio Grande do Sul e seca prolongada que devastou diversos setores agrícolas, mas um em particular foi favorecido. Tivemos safras históricas na serra gaúcha entre os anos de 2015 e 2020 dando origem a vinhos tintos memoráveis que não deixam nada a desejar à aqueles importados de regiões muito mais tradicionais do que a nossa.



    Então já deixo a dica. Com o termostato desregulado mundo a fora e o Dollar mais “quente” do que nunca, dê uma chance a seu paladar e deguste mais vinhos tintos nacionais que você não irá se arrepender. Além de tudo, como vem de mais perto, diminuirá ligeiramente sua pegada de carbono.

Abaixo deixo alguns links na Amazon que gosto muito e que, ainda, não foram tão afetados pelas mudanças climáticas:



Saúde!

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