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UMA INUNDAÇÃO DE VINHOS

    


    Nas últimas semanas recebemos uma boa seleção de novos rótulos da região de Bordeaux. Uma ótima adição ao nosso portfólio, uma vez que Bordeaux é a região que produz alguns dos melhores vinhos do mundo e é muito famosa dentre os apreciadores. Seu nome é reconhecido até mesmo por quem não é grande consumidor da bebida de Bacco e causa um impacto muito positivo quando servido em um jantar ou uma festa.


    Além da qualidade de seus vinhos, a importância econômica da região de Bordeaux é absurda. Com quase o mesmo tamanho do município de São José do Campos, essa região no Sudoeste francês produz cerca de 600 milhões de garrafas de vinho por ano, resultando em uma indústria de mais de 4 bilhões de euros de faturamento. Somente as vendas de vinhos, vale salientar que a região têm diversas outras indústrias, incluindo o setor aeroespacial com grandes fábricas da Airbus, geram um PIB maior que o do rico munícipio de São José dos Campos, famoso por sua indústria aeronáutica com as fábricas da Embraer. 

    

    Em Bordeaux, se produzem 15% de todo o vinho da França ou cerca de 2% de todo a produção mundial de vinhos. Três quartos do vinho da região é vendido entre 3 e 15 euros, mas os outros 25% atingem preços estratosféricos. Além dos Châteaux e vinícolas que engarrafam seus próprios vinhos, quase 40% de toda a produção é engarrafada por Négociants que são comerciantes que compram vinho a granel e revendem com suas próprias marcas ou revendem vinhos de outros produtores para todo o mundo.

    

    O que pouca gente sabe, mesmo entre os “connoisseurs”, é que boa parte de toda essa fama e riqueza só pôde ser criada, no passado, com a ajuda dos holandeses. Ainda hoje alguns petit châteaux, como o Château Marquis d'Alesme Becke, Château du Tertre, Giscours e Château Palmer, bem como notórias vinícolas como o Château Haut Brion e o Château Cantermerle estão sob propriedade franco-holandesa. Um dos vinhos mais famosos e caros do mundo, o Château Lafite foi de propriedade de comerciantes holandeses até 1818.



    No post dessa semana vou trazer a história de como a pequena e rica nação, que inclusive chegou a colonizar parte do nosso querido “Brasilzão”, famosa por suas flores, moinhos, o Van Gogh, “coffee shops” e pelo, praticamente, tri campeão mundial de Fórmula 1 Max Verstappen, revolucionou a produção e o comércio de vinhos, não só de Bordeaux, mas como de todo o mundo.


DE JOANA D’ARC AOS PAÍSES BAIXOS


    A história da produção vitivinícola em Bordeaux remonta a milhares de anos. Acredita-se que a vitivinicultura tenha começado na região com a chegada dos romanos na Gália, por volta do século I a.C. Durante os séculos seguintes, a região de Bordeaux consolidou sua reputação como produtora de vinhos finos e começou a exportar seus produtos para muitas outras regiões da Europa. Por conta dessa grande importância estratégica e econômica, se tornou um palco frequente de disputas e batalhas.


    Após a fragmentação do Império Carolíngio, a Aquitânia, como era chamada a região, se tornou objeto de disputas entre os reinos emergentes da França e da Inglaterra. No século XII, a região estava sob o domínio do Ducado da Aquitânia. O casamento de Leonor da Aquitânia com Henrique II da Inglaterra uniu as terras aquitanas ao Império Angevino, que incluía vastos territórios na França e na Inglaterra.



    As tensões e conflitos entre a Inglaterra e a França culminaram na Guerra dos Cem Anos (1337-1453), uma série de conflitos prolongados que envolveram ambos os países e a Aquitânia, por sua posição estratégica e rica produção, foi uma das áreas mais disputadas durante a guerra. A vitória final da França na Batalha de Castillon em 1453 marcou o fim do domínio inglês na região, e a Aquitânia foi reintegrada à França.


    No século XVI, Bordeaux já era um importante centro comercial de vinho, especialmente após a expansão dos portos marítimos na cidade de Bordéus, o que facilitou o comércio com o Reino Unido e outros países da Europa, porém o tamanho de sua produção não era nem de perto o que se produz atualmente.


    Nessa época, haviam vários pântanos, charcos e terras alagadas espalhados nas planícies aluviais ao longo dos rios e estuários da região por toda a região, o que representava um desafio para o desenvolvimento agrícola e vinícola, não somente sob o aspecto econômico, mas também do ponto de vista sanitário, por conta das inúmeras doenças causadas por esse ambiente insalubre dos pântanos.


    O governante da França era o rei Henrique IV. Sofrendo grande pressão por parte da população com relação aos problemas enfrentados na região de Bordeaux o monarca teve a sacada de convidar os famosos engenheiros holandeses, que tinham grande experiência em sistemas hidráulicos, para darem uma solução nessas áreas problemáticas uma vez que nenhum engenheiro francês se habilitou para resolver o problema.


    Os engenheiros hidráulicos holandeses trouxeram consigo seu conhecimento avançado em técnicas de drenagem de solos, como a construção de diques, canais e sistemas de escoamento de água. Com suas habilidades, eles ajudaram a drenar as terras pantanosas de Bordeaux, tornando-as aptas para a agricultura. Essa colaboração entre os holandeses e os franceses foi fundamental para transformar as áreas alagadas em terras férteis, possibilitando o cultivo de vinhedos e outras culturas agrícolas.



    A drenagem bem-sucedida, principalmente na região do Medoc, desempenhou um papel crucial na expansão da produção de vinho na região e na consolidação da fama de Bordeaux como uma das principais regiões vinícolas do mundo e muitos dos sistemas implantados a mais de 300 anos atrás continuam em uso até hoje. A drenagem e correção do solo por eles implantadas permitiu que sub-regiões como Pauillac, Saint Estephe, Margaux e Saint Julien florescessem. Sem eles os grandes vinhos Château Lafite, Latour, Mouton e Margaux não existiriam.


A VINHA LARANJA MECÂNICA


    A Holanda era uma das nações mais ricas em meados do século XVII, sendo assim, além de ajudarem a drenar as terras pantanosas, os holandeses foram grandes investidores nos vinhedos da região e se tornaram grandes négociants e comerciantes dos vinhos bordaleses por toda Europa, muito por contarem com uma das mais poderosas marinhas do mundo nessa época.


    Outra grande inovação que os holandeses proporcionaram ao mundo dos vinhos foi quanto a conservação dos mesmos. Anteriormente os vinhos de Bordeaux eram feitos para serem consumidos jovens, o que não era um problema quando precisavam somente cruzar o canal da mancha até a Inglaterra. Mas na era das grandes navegações e rotas comerciais muito mais distantes os holandeses precisaram desenvolver um novo método para a preservação da qualidade dos vinhos. 


    O método desenvolvido foi chamado de fósforo holandês e consistia em queimar um palito de fósforo ou vela embebida em enxofre dentro das barricas que receberiam os vinhos, sendo que o enxofre age como um antibactericida e prolonga em muito a vida do vinho. O dióxido de enxofre ou anidrido sulfuroso ainda é até hoje o principal conservante dos vinhos.


    Além disso, os holandeses faziam muito comércio com os seus vizinhos alemães e com os húngaros, ambos grandes produtores de vinhos doces e por conta disso o paladar dos holandeses estava mais acostumado com esse estilo de vinho que era praticamente inexistente em Bordeaux. Com seus investimentos na região eles descobriram o grande potencial das sub-regiões de Sauternes e Barsac para a produção de vinhos doces e hoje o Château d'Yquen em Sauternes é considerado um dos, se não o melhor, vinho doce do mundo e um dos mais caros vinhos de todo mundo.



    Mas na minha humilde opinião a mudança mais significativa, promovida pelos holandeses foi quanto ao estilo do vinho Bordalês. Anteriormente à chegada dos comerciantes da Holanda, os vinhos da região de Bordeaux eram, em sua maioria, vinhos tintos muito leves e diluídos, praticamente um rosé, conhecidos como Clairets.


    Novamente, através de sua vasta rede comercial, os holandeses tiveram contato com vinhos de outras partes da Europa que eram muito mais encorpados, notavelmente os tintos do norte da Espanha, tomando gosto por esses vinhos mais densos e fortes. Os consumidores da Holanda passaram a demandar que os produtores de Bordeaux produzissem seus tintos nesse estilo, originário do maior tempo de maceração entre o líquido e as cascas das uvas e que tornava o vinho além de mais encorpado e alcoólico era muito mais longevo.


    Dado ao sucesso dos novos vinhos de Bordeaux, encorpados, tânicos e muito longevos, esse estilo se espalhou, nos séculos seguintes, para praticamente todas as regiões vitivinícolas do mundo. Da Europa ao Novo Mundo, incluindo o Brasil, quase todos os produtores de vinhos tentam simular o sabor dos vinhos de Bordeaux, mas só provando um vinho da região para entender o quão único é o terroir da chamada “Terra Santa” dos vinhos.


Abaixo deixo alguns links na Amazon para maravilhosos vinhos de Bordeaux:



Santé...ou como dizem os holandeses: Proost

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