Independentemente da corrente política que você, um dos três leitores ou leitoras dessa newsletter, siga, em um ponto nós quatro devemos concordar. O nosso querido Brasilzão é forrado de leis esdrúxulas. Por exemplo: No Distrito federal existe uma lei que obriga a comercialização de preservativos em bares, restaurantes, boates, casas de show e similares. E não só isso: elas devem estar em locais visíveis.
No Rio Grande do Sul uma lei exige a inclusão de doce de leite na merenda escolar. Em Porto Alegre, também no RS, qualquer edifício com área igual ou superior a 2 mil metros quadrados deve conter, em local visível, uma obra de arte. Já em Balneário Camboriú, bares são obrigados a fornecer fio dental gratuitamente. E no Rio de Janeiro segunda a Lei Ordinária nº 5.292 de 2011, em espaços como elevadores, ônibus e outros locais com grande quantidade de pessoas, é proibido utilizar uma mochila nas costas. O correto seria na frente do corpo, para promover um ambiente mais adequado para todos.
Agora uma das mais curiosas:
Através da Lei Nº 1.840 de 1995, de Barra do Garças (MT), o prefeito criou uma “reserva de área para Aeródromo de Pousos de OVNI - Objetos Voadores Não Identificados”.
Mas vocês acham que é só por aqui?
A comuna francesa de Châteauneuf-du-Pape possui uma lei, datada de 1954, que proíbe a circulação e o pouso de OVNIs e naves alienígenas sobre seu território, cuja penalidade é o confisco da nave.
Apesar do risco para os alienígenas aventureiros, Châteauneuf-du-Pape é muito famosa por produzir vinhos de excepcional qualidade, sendo que alguns de seus exemplares já foram eleitos “o melhor vinho do mundo”. No post dessa semana vou trazer a história de como surgiu essa maravilha engarrafada que é apreciada por todo o planeta e quem sabe até fora dele.
O VATICANO DO NORTE
Localizada na margem direita do Rio Rhône (Ródano), Avignon é uma cidade lindíssima (como tantas outras) do sudeste francês. Sua área metropolitana é a região que mais cresceu na França nas últimas décadas e cidade se tornou um importantíssimo polo turístico. Por conta de seu centro histórico, com muitas construções romanas e medievais tais quais pontes, muralhas, castelos e catedrais, visitar a cidade é como ser transportado para um conto medieval com princesas, cavaleiros, reis, bispos e todos os outros personagens que habitam o folclore europeu.
Outra atração da cidade é o Festival D'Avignon, o qual é um evento de artes variadas, com shows de músicas, exposições, amostras e apresentações teatrais. Ocorre todo verão no Palais des Papes (Palácio dos Papas) e em outros locais espalhados pela cidade, sendo um dos maiores festivais de artes do mundo. O próprio Palácio dos Papas é uma maravilha por si só, sendo considerada uma das maiores e mais importantes construções góticas da Idade Média na Europa.
Além de muita história e arte, um de seus melhores produtos com certeza são os vinhos. Apesar de ocupada desde tempos imemoráveis a história registrada da cidade remonta aos gregos, que fundaram ali um assentamento, mas como em muitas outras regiões francesas, foi a chegada das legiões romanas que impulsionou a vitivinicultura de qualidade.
A cidade de Avignon propriamente dita, não produz vinhos, porém, a região que a circunda tem algumas das melhores denominações de origem da França, e consequentemente do mundo, tais como: Côte-Rôtie AOC, Condrieu AOC, Crozes-Hermitage AOC, Hermitage AOC, Côtes du Rhône AOC, Gigondas AOC e, a mais famosa delas, Châteauneuf-du-Pape AOC.
Por muitos séculos a região era conhecida apenas como um pequeno entreposto comercial com a grande cidade de Marseille. Após a queda do império romano a cidade, já cristianizada, passou por muitas guerras durante a idade média, porém mesmo durante o período conhecido como idade das trevas a região figurava como um importante centro religioso e cultural. Por conta de sua posição estratégica e as constantes batalhas, a cidade foi sendo fortificada ao longo dos séculos.
LE PAPE EST POP!
No início do século XIV havia uma grande disputa entre o papado instalado em Roma e as monarquias europeias, por quem comandaria a cristandade em termos seculares. Com o sucesso das primeiras cruzadas os papas ganharam muito prestígio como a liderança dos cristões, relegando os reis de Inglaterra, França e do Sacro Império Romano-Germânico à meros "delegados" das vontades papais.
Nesse plano de fundo, em 1302, o rei Felipe IV da França queria utilizar o dinheiro da igreja para financiar sua guerra contra a Inglaterra. O Papa Bonifácio VIII se opôs a essa demanda e preparou a excomunhão do rei Felipe. E aí meus amigos a coisa ficou feia...O que veio a seguir, gerou um cisma na igreja católica que quase a extinguiu da forma como a conhecemos hoje.
O rei da França, possesso com a liderança da igreja, utilizou-se de aliados italianos para invadirem a residência papal em Roma e assassinar o Papa Bonifácio nomeando, logo após, um francês como novo líder da igreja. Bertrand de Got o arcebispo de Bordeaux e um marionete de Felipe se tornou o novo papa sob o nome de Clement V.
A fim de continuar com a proteção do monarca francês, o novo papa negou-se a se mudar para Roma e optou por estabelecer a nova residência papal em Avignon, por conta das grandes defesas construías ao longo do tempo. A cidade que se tornou, ao menos parcialmente, a nova cede da igreja católica, ficou conhecida como o Vaticano do Norte e entre 1309 e 1377 sete papas residiram em Avignon.
Nesse meio tempo, e em 1348, o Papa Clemente VI comprou a cidade da Rainha Joana de Nápoles. Durante esse período, conhecido como o papado de Avignon, os clérigos adotaram muitos costumes da corte francesa, portando-se mais como príncipes do que como monges.
Em 1376 após muitas intrigas, conflitos, e “politicagem”, o Papa Gregório XI de origem francesa, tomou a decisão de mover novamente a cúpula da Igreja para Roma, aonde chegou em 1377 encerrando assim o Papado de Avginon, porém a cidade permaneceu no controle dos papas até 1791 quando a revolução francesa se instaurou no país.
A CASA NOVA DO PAPA
Distante cerca de 15 quilômetros de Avignon, existe uma vila pitoresca, a qual sua história também se liga com os papas. Seu nome na antiguidade era Castrum Novum. Castrum era a palavra em latim para identificar uma vila fortificada que foi estabelecida ali, no alto de uma colina, muito antes da chegada dos papas à região. A grafia da palavra foi evoluindo ao longo dos séculos até tomar a forma moderna de Châteauneuf que em francês significa Castelo Novo.
Era na vila de Châteauneuf onde ficava a casa do Bispo da região, que recebia diversos integrantes da igreja, inclusive papas, quando estavam em direção a cidade de Avignon. Por coincidência, ou não, o segundo papa da era do Papado de Avignon, João XII decidiu erguer na vila de Châteauneuf um novo castelo para proteger o bispo local, bem como servir como sua residência durante a ampliação do Palais de Papes na cidade vizinha, Avignon.
No projeto do Papa João XII, uma característica que o castelo novo deveria contar, era ser mais fresco e ventilado do que o Palais de Papes, pois a região é muito quente e no meses de verão se torna um verdadeiro “inferno”, com o perdão do trocadilho. Contando com o fato de que o novo castelo estaria no alto de uma colina, o que o tornaria naturalmente mais frio, o mesmo serviria de residência papal durante a estação do ano de clima mais tórrido.
O Papa João XII, sua santidade, assim como nós, meros mortais, era muito “chegado” em um vinhozinho. Não só ele, mas toda a “corte” da igreja consumia quantidades cavalares de vinho, entretanto na época o vinho mais famoso e apreciado pelos nobres, eram os vinhos da Borgonha. Como naquele tempo o comércio, o transporte e a conservação dos vinhos eram complicados o Papa passou a consumir, e muito, os vinhos da região que circundavam Avignon e Châteauneuf.
Nesse período os vinhos de Châteauneuf não chegavam aos pés dos Borgonhas, sendo assim o Papa João incentivou e iniciou melhorias nas técnicas de produção das uvas e vinhos dali. Com o significativo aprimoramento na qualidade, os vinhos começaram a ganhar a fama e passaram a ser conhecidos como os vinhos do papa (Vin des Papes) ou o vinho Châteauneuf do Papa que em francês ficou: Châteauneuf-du-pape. A revolução agrícola foi tamanha que, em meados do século XIV, praticamente metade das terras de Châteauneuf-du-Pape eram de vinhedos.
Por volta dos anos 1700, muito tempo depois do retorno dos papas de Avignon para Roma, os vinhos de Chateauneuf ganharam ainda mais status, já que combinavam as melhores qualidades de outros vinhos franceses famosos como os do Languedoc, muito perfumados, e os de Bordeaux, bem encorpados, e passaram a ser muito cobiçados pelos apreciadores da bebida. Mais tarde, em 1936, foi criada a denominação oficial Châteauneuf-du-Pape, a primeira denominação de origem francesa.
Por conta de falsificações o selo papal foi introduzido nos rótulos dos vinhos, como uma forma de diferenciar os verdadeiros Châteauneuf-du-Papes de outros vinhos mais simples da região. A figura das chaves cruzadas são o símbolo do papado e representam as chaves do reino dos céus, concedidas por Jesus a São Pedro. A partir de 1937 as chaves cruzadas aparecem logo abaixo da tiara papal (algo similar ao brasão do Vaticano) e estampam em alto relevo as garrafas dos Châteauneuf-du-Pape.
BOAS NOTÍCIAS AOS HUMILDES
A região do Rhône é dividida em duas: Rhône Norte e Rhône Sul. No Norte o clima é mais ameno que na parte sul da região, sendo assim seus vinho costumam ser um pouco mais leves, com uma excelente produção de, além dos tintos, bons vinhos brancos. O Rhône Norte é o local de origem da uva Syrah ela é a casta mais utilizada para os vinhos tintos. Seus exemplares mais icônicos são os oriundos das AOCs Hermitage e Crozes-Hermitage.
Já o sul do Rhône, onde está Chateauneuf-du-Pape é uma região muito quente. Apenas o vento Mistral ajuda a esfriar os vinhedos impedindo que as uvas “cozinhem”. O solo é coberto por pedregulhos deixados na região após o derretimento das geleiras na última era glacial. As pedras absorvem o calor durante o dia e o irradiam durante a noite contribuindo com a maturação das uvas. O resultado são vinhos com bastante álcool e muitos sabores e aromas frutados, características essas, muito apreciadas pelos brasileiros.
Os Chateauneuf-du-Papes tintos, normalmente são robustos, de cor escura e muito macios, sendo elaborados com até 13 castas, onde predomina a uva Grenache. Os brancos, são raros e mais difíceis de serem encontrados, bem encorpados e estruturados, com aromas delicados e grande persistência gustativa. A qualidade varia muito de produtor para produtor, entretanto os melhores frequentemente atingem as notas máximas possíveis em publicações especializadas.
Infelizmente toda essa qualidade e reconhecimento tem, literalmente, um preço. Os vinhos Chateauneuf-du-Pape são caros, aqui no Brasil, os melhores, normalmente, custam 4 dígitos, porém é possível encontrar vinhos de outras denominações vizinhas a Chateauneuf com bons custo-benefício. Boas opções podem ser encontradas nos rótulos de Côtes du Rhône AOC, Gigondas AOC e Vacqueyras AOC e para os amantes dos vinhos rosés, os melhores da região são os Tavel AOC.
Abaixo deixo algumas opções na Amazon de excelentes Chateauneuf-du-Papes e outras vinhos da região do Rhône:
Bem-aventurados os que
podem degustar esses incríveis vinhos! Saúde amigos!
Comentários
Postar um comentário