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O NARIZ MAIS CARO DO VINHO!

    


    Acho que todo mundo sonha, ou pelo menos já sonhou em algum momento, em largar um emprego chato para trabalhar com algo que realmente lhe dê prazer. Apesar de parecer muito romântico, transformar um hobbie em um negócio, mais do que isso, em um negócio rentável, não é nada fácil. Normalmente, a estatística comprova, o resultado vai ser um fracasso e voltaremos a fazer o que não gostamos para pagar as contas no final do mês.


    Alguns poucos conseguem e somente um ou outro vira uma lenda em seu segmento, mas o caminho para se tornar uma lenda não vem sem alguns percalços, muitas críticas e uma coleção de inimigos. No caso do personagem do post dessa semana o caminho foi “suavizado” por cerca de 300.000 (isso mesmo... trezentas mil) amostras de vinhos ao longo das últimas décadas.



    Essa semana vamos conhecer a história do nariz, melhor dizendo, do dono do nariz mais famosos e controverso do mundo dos vinhos, que através de seu trabalho como crítico mudou a forma como todos nós tomamos nossa adorada bebida.


ROBERTINHO DO VINHO.


    Robert McDowell Parker Jr. nascem em uma cidadezinha no interior do estado de Maryland nos Estados Unidos. Casou-se com sua namorada do colégio e até bem perto dos seus 40 anos de idade levou uma vida bem comum. Se formou em direito e trabalhava como assessor jurídico em uma instituição financeira de pequeno porte em seu estado natal. Parker não era um importador, um exportador, tampouco um produtor ou um ricaço com influência na indústria do vinho, ainda assim em alguns anos ele conseguiu mudar todo mercado de vinhos mundial, pelo menos boa parte dele.



    Ainda enquanto estudante, em uma viagem à região da Alsácia na França acompanhando sua esposa que estudava por lá, teve os primeiros contatos com vinhos e ali nascia a paixão pela bebida que ditaria os rumos de sua vida.


    Uma pausa na história do Robertinho para um pouco de contexto...


    

Atualmente os Estados Unidos são o maior mercado consumidor de vinhos do mundo, não per capita, mas por volume total, entretanto em meados dos anos 80 a classe média da maior economia do mundo ainda não tinha entrado nessa “onda”. O americano médio não consumia vinhos e diferente de hoje o acesso à informação era mais restrito. Diferente dos Europeus que praticamente nasciam bebendo vinhos o americano não tinha conhecimento acerca da bebida e à medida que o interesse e o consumo iam aumentado os consumidores buscavam guias e dicas de críticos para aprimorarem seu conhecimento e entendimento sobre os vinhos. Mais ou menos o que vem ocorrendo no Brasil, guardadas as proporções, desde os anos 2000.



    Nesse contexto Robert Parker, por volta de 1980, começou a escrever notas sobre os vinhos que degustava e seguindo a dica de um colega advogado, teve a ideia de criar um guia sobre vinhos que fosse independente dos interesses da indústria e resolveu disparar uma newsletter por correio para uma base de clientes que comprou de alguns varejistas de vinhos. Parker chamou essa newsletter de The Baltimore-Washington Wine Advocate, que posteriormente foi renomeada para The Wine Advocate. A primeira edição foi enviada gratuitamente, mas para a segunda edição mais de 600 clientes pagaram uma taxa de subscrição para receberem seu exemplar.


O NARIZ DE UM MILHÃO DE DÓLARES.


    Mais de vinte anos depois, no início dos anos 2000 ele já contava com mais de 50.000 assinantes somente nos EUA e apesar de outras publicações terem até mais assinantes ele era considerado o crítico mais influente da América, onde seus reviews moldavam os hábitos de compras dos americanos. Além dos reviews onde Parker descrevia em duas ou três linhas os aromas e sabores que encontrava em um vinho degustava, ele desenvolveu também uma escala de avaliação que vai de 50 até 100 pontos de acordo com sua percepção de qualidade bem como alguns outros critérios subjetivos.



    Parker revelou que naquele ano (2000) ele havia degustado mais de 10.000 amostras de vinhos, enviadas à ele de todos os cantos do mundo onde se produz vinhos e o mesmo afirmou que se lembrava de todos os rótulos que havia degustado. Ele era tão importante para o mercado que seu nariz foi segurado em mais de um milhão de dólares. Não seu nariz propriamente dito, mas sua capacidade olfativa. Caso ele sofresse algum problema de saúde que afetasse sua habilidade de degustar os vinhos ele receberia o prêmio do seguro.


    Segundo o Guinness book esse é o maior nariz do mundo. Não é do Parker, não vale 1 milhão de Dólares, mas é um “senhor” nariz.



    Para qualquer produtor de vinhos que quisesse penetrar o gigantesco mercado americano, era fundamental que seu vinho ganhasse uma boa pontuação nas publicações de Parker, mais o que isso, ele passou a ser tão influente no mercado americano, que a essa altura já era o maior do mundo, que suas notas e reviews passaram a ditar muito do que era vendido ou não nas lojas e outros varejistas. Se isso não bastasse, por conta de toda influência, quanto maior uma nota concedida à um vinho, maiores eram os preços com os quais esses conseguiam ser vendidos e é aí que começa a parte “avinagrada” da história.


PARKER ERA BOM MESMO?


    Muitos produtores, sommeliers, críticos e outros especialistas começaram a perceber que uma única pessoa não poderia ditar as regras de toda uma indústria. O primeiro ponto, sobre a magnitude do trabalho de Parker que começou a ser questionado, era se de fato ele tinha tamanha capacidade técnica para avaliar os vinhos que degustava. Em outras palavras, alguns players falaram: Quem ele pensava que era para falar bem ou mal dos produtos dos outros? Porque as pessoas deveriam acreditar no que ele estava dizendo, uma vez que ele não tinha nenhuma formação técnica para isso?




    Por que não? Ele nunca teve a intensão de analisar um vinho simplesmente de forma científica, como um crítico de cinema não se atenta somente as questões técnicas de um filme para escrever suas impressões do que assistiu.


    De qualquer forma, as dúvidas foram potencializadas quando em uma degustação às cegas com alguns dos vinhos mais “tops” de Bordeaux da safra de 2005, Parker não conseguiu identificar quais eram quais e de que sub-região esses vinhos vinham, o que levantou ainda mais suspeitas sobre sua capacidade.


    A segunda polêmica dizia a respeitos de um provável conflito de interesses em suas publicações. Apesar de nunca terem provado nada contra ele, com tanto dinheiro envolvido no mercado de vinhos e se uma nota positiva proferida por Parker, fazia com que os preços fossem inflados, quem garantia aos consumidores que Robert não ganhava uma bela “bola” para conceder aqueles 100 pontos para o vinho X ou o vinho Y? Provavelmente nunca saberemos, mas ele sempre evitou esse conflito, afirmando categoricamente que nunca aceitou “presentes” de nenhuma vinícola e que nunca especulou em cima dos preços dos vinhos.


    Porém, a meu ver, a polêmica mais relevante e essa sim muito evidente, foi a “Parkerização” dos vinhos a partir da década de 2000. Com tantas amostras avaliadas, foi ficando claro quais eram as características de um vinho que agradavam a Parker. Os viticultores então passaram a seguir uma “fórmula” fazendo vinhos com um estilo que já era sabido que agradara ao paladar do Parker, fazendo com que boa parte do que se era produzido tivesse sabores e aromas muito similares.


    Sobre esse ponto, não posso discordar. Me lembro bem que no final dos anos 2000 e por grande parte da década seguinte, todos os vinhos chilenos, por exemplo, pareciam iguais. Nenhuma coincidência, uma vez que quase toda produção dos chilenos é exportada e a maior parte para os Estados Unidos e era claro que os produtores priorizavam o estilo “Parker” dos vinhos.


    Pouca acidez, muito corpo, álcool e aromas amadeirados foram se tornando o padrão da indústria, não só do Chile, mas em todo o globo alcançando até os grandes Châteaus de Bordeaux, porém em defesa do Robertinho, ele não foi o único responsável por essa padronização. Diversos críticos e outros agentes foram “impondo” esse estilo de vinho aos consumidores. Parker foi somente o mais importante deles.


O LEGADO DE ROBERT PARKER JR.


    A despeito das polêmicas, Robert Parker se tornou uma lenda no mundo dos vinhos. Não há ninguém no mundo que trabalhe com essa bebida que não conheça seu nome ou seu legado. É muito comum, quando estamos escolhendo um vinho para tomarmos, vermos uma etiqueta com sua pontuação segundo “RP” ou ouvir do vendedor que tal vinho tem uma grande nota de Parker.


    Entretanto, com o passar dos anos e o surgimento de novos críticos e guias, ele foi perdendo parte de sua influência. Esse declínio se deu também pela mudança nos hábitos dos consumidores, que passar a procurar vinhos com mais alma, com mais caráter e que representassem as peculiaridades únicas de cada terroir ou produtor em detrimento de um estilo padronizado. Mesmo que suas notas já não sejam tão influentes como outrora, diversos críticos e publicações ainda seguem o modelo por ele criado. Suas avaliações e notas outorgadas no passado ainda ditam muito da reputação e valor de milhares de vinhos.


    Em 2019 aos 71 anos Parker se aposentou, deixando a Wine Advocate e atualmente só degusta vinhos por puro prazer!


    Apesar de serem uma ótima referência quanto a qualidade de um vinho, não vire um chato. Um famoso “tomador de nota”. Esteja aberto a tirar a suas próprias conclusões sobre um vinho e acima de tudo aproveite o momento de descoberta.

Abaixo deixo alguns links na Amazon de vinhos muito pontuados pela crítica internacional:


Saúde a todos, amigos! Até a próxima!

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